sexta-feira, 9 de setembro de 2011

2011-09-08 1) Ref: Projeto Internet e Política - Revista Paraná Eleitoral - Foco: Eleições 2006 - Endereços dos posts

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Paraná Eleitoral número 70  ( JAN/2009 )
Título: Ação Rescisória Eleitoral
Autor: José Machado dos Santos
Artigos em Portugues
 
Ação Rescisória Eleitoral

José Machado dos Santos

Resumo: As decisões da justiça eleitoral, pelo princípio da celeridade, sempre foram tidas como indeléveis. Houve tentativas de se aplicar à Justiça Eleitoral o princípio de que toda decisão pode ser rescindível. A cúpula Eleitoral sempre rechaçou essa idéia. Entretanto, em 1996, por meio da Lei Complementar 86, foi inserido nesta Justiça Especializada o instituto da Ação Rescisória Eleitoral. A lei foi julgada parcialmente inconstitucional, permanecendo, todavia, autorizado seu manejo em casos de inelegibilidade. A lei em comento, alterou apenas a competência do Tribunal Superior Eleitoral, fazendo crer que apenas aquela corte pode rescindir decisões da Justiça Eleitoral. Esse foi o primeiro entendimento da Corte Superior Eleitoral. Entretanto, alegando falta de previsão legal, essa Corte refluiu nessa posição e passou a aceitar rescisória apenas de seus julgados. Essa posição não é a mais correta, pois, além de contrariar todo o sistema de revisão de decisões, deixa situações de injustiça patente sem a devida solução, como sói acontecer quando uma decisão sobre inelegibilidade transita em julgado nos Tribunais Regionais Eleitorais ou nos Juízos de Primeiro Grau. Com essa inquietação, propomos a viabilidade de se rever todas as decisões sobre inelegibilidade, seja em que grau for, pelo Tribunal Superior Eleitoral.


Resumen: Las decisiones de la justicia electoral, por el principio del celeridade, habían sido tenidas siempre como indeléveis. Tenía tentativas de si se aplica a la justicia electoral el principio de esa toda la decisión puede ser rescindível. La cúpula electoral rechazó siempre esta idea. Sin embargo, en 1996, por medio de la ley complementaria 86, insertaron al instituto de la acción electoral para la rescisión en esta justicia especializada. La ley fue juzgada parcialmente inconstitucional, restante, sin embargo, autorizó su dirección en casos de la inelegibilidad. La ley adentro comento, modificado solamente la capacidad de la corte superior electoral, haciendo para creer el solamente que uno cortado pueda rescindir decisiones de la justicia electoral. Éste era el primer acuerdo del corte electoral del superior. Sin embargo, alegando carencia del pronóstico legal, este corte fluyó detrás en esta posición y comenzó a aceptar el juego para annul solamente de sus judgeships. Esta posición no está la más correcta, por lo tanto, más allá todo de oponer el sistema de la revisión de decisiones, deja situaciones de la injusticia clara sin la solución tenida, como sói para suceder cuando una decisión sobre los tránsitos de la inelegibilidad adentro considerados en las cortes regionales electorales o en los juicios del primer grado. Con esta intranquilidad, consideramos la viabilidad de si repasan todas las decisiones sobre inelegibilidad, cualquier donde estará el grado, para la corte superior electoral.

I - INTRODUÇÃO
Pretendemos com o presente artigo demonstrar as marchas e contramarchas da Ação Rescisória no âmbito da Justiça Eleitoral.
O tema por sua aridez e dificuldade obsta qualquer tentativa de inovação, nem por isso recuamos no nosso objetivo: mostrar os caminhos e descaminhos porque passou o instituto rescisório eleitoral, bem como mostrar nova porta que pode voltar a se abrir.
A par disso, traz-se a lume uma investigação legislativa, doutrinária e jurisprudência, sistematizado a pesquisa, de modo a propiciar a compreensão das divergências encontradas e da evolução do instituto.
Para adentrarmos ao tema proposto, faz-se mister tecer breves considerações sobre o instituto da “coisa julgada material”, bem como definir o que se entende por “Ação Rescisória”.
A priori, do ponto de vista que nos interessa, conceituamos coisa julgada como sendo a imutabilidade decorrente de sentença de mérito, que impede sua discussão posterior. A coisa julgada, portanto, visa tornar imutável e indiscutível a sentença de mérito, a partir de sua preclusão no processo.
Entretanto, essa imutabilidade e indiscutibilidade, por vezes, representam injustiça grave e, por conseguinte, ofensiva aos princípios regedores do ordenamento jurídico, além de extirpadora da esperança que se tem nos homens de toga .
Outrossim, a coisa julgada não pode convalidar injustiças. O interesse público de manter a integridade da justiça das decisões, por vezes, deve sobrepujar a coisa julgada, mormente quando essa foi obtida por meios não muito ortodoxos.
Luciana Braga Lemos assevera que se justifica a admissibilidade da ação rescisória pela necessidade de prevalência do interesse público à realização de justiça sobre a coisa julgada protetora de ato decisório viciado em sua constituição. Com razão a insigne autora ao afirmar que “representa maior nocividade à ordem pública a imutabilidade de uma sentença, seriamente maculada por vícios do que admitir-se a possibilidade de sua revogação, mesmo após adquirir a autoridade da coisa julgada” .
A par disso, o ordenamento jurídico prevê mecanismos de revisão de decisão transitada em julgado.
No caso em estudo, interessa-nos, sobremaneira, a “Ação Rescisória”. Essa ação destina-se, precipuamente, a obter anulação da coisa julgada formada sobre decisão judicial (sentença e acórdão), permitindo a revisão do julgamento.

II - AÇÃO RESCISÓRIA ELEITORAL
2.1. Escorço histórico
Até pouco tempo, a Ação Rescisória não era aplicada às causas de natureza eleitoral. O princípio da celeridade, que rege os atos da Justiça Eleitoral, não permitia se falar em rescisão de sentenças e acórdãos emitidos por essa Justiça Especializada.
A Doutrina e Jurisprudência, em sintonia com esse princípio (celeridade), mantinham-se firme no sentido da não admissão da Ação Rescisória no âmbito da Justiça Eleitoral, desprezando qualquer argumento em sentido contrário.
Nesse sentido, posicionamentos de grandes ases do Direito Eleitoral, a exemplo do Ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Veloso que, no momento da inserção do instituto no direito positivo, vaticinou que “a ação rescisória é completamente incompatível na Justiça Eleitoral, porque o processo eleitoral deve ser célere, sob pena de as questões que cuidam da inelegibilidade caírem no vazio, já que os mandatos têm prazo curto” ; o Ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Torquato Jardim, que afirma que a ação rescisória é “aparentemente incompatível com a celeridade que se deve imprimir ao processo eleitoral” ; ou do Professor NIESS, segundo o qual, o Direito Eleitoral Brasileiro não comporta ação rescisória. Para ele, esse ramo do direito sempre a repugnou, mercê das conseqüências irreparavelmente danosas que fatalmente acarretaria, tornando instável todo processo eleitoral, que deve desenvolver em certo espaço de tempo .
A falta de previsão legal era o mais importante dos argumentos levados a efeito para sua inadmissão. O Ministro José Maria de Souza Andrade, em caso emblemático, afirmou que a inadmissibilidade da Ação Rescisória Eleitoral advinha da falta de previsão legal, bem como por sua incompatibilidade com a celeridade que se deve imprimir ao processo eleitoral.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:

“Ação Rescisória
Sua inadmissibilidade na Justiça Eleitoral, por ausência de previsão legal no Código Eleitoral, e por ser incompatível com a celeridade que se deve imprimir ao processo eleitoral. (RESOLUÇÃO 11.742 CUIABÁ – MT, Relator: Ministro JOSÉ MARIA DE SOUZA ANDRADE, Diário de Justiça de 04/11/1983, Página 17152)”

“Ação rescisória indeferida, face inexistir na legislação eleitoral vigente dispositivo de lei que autorize seu conhecimento. Agravo Regimental desprovido. (Acórdão6.409, Agravo Regimental nº 5.571 – Classe X – Junqueiro – AL, Relator: Ministro JOSÉ FRANCISCO BOSELLI, BEL - Boletim Eleitoral, Volume 1, Tomo 1, Página 1)”

Essa era, também, a posição do eleitoralista Tito Costa, conforme se pode observar da citação feita pelo eminente Procurador Eleitoral A. G. Valim Teixeira, quando emitiu parecer no processo nº 6.375, o qual fora aprovado pelo Procurador-Geral Eleitoral Dr. Mártires Coelho.
Naquela assentada, o parecerista, citando Tito Costa, afirmou que “no processo eleitoral não existe o procedimento rescisório, como no processo comum. Não sendo recurso, a ação rescisória faz às vezes dele, pois por via dela se provoca o julgamento de um julgamento anterior. Na verdade, trata-se de remédio processual autônomo, tendo por objeto a própria sentença ou acórdão rescindendo. Contém ela um ataque à coisa julgada formal, segundo a expressão de Pontes de Miranda”.

2.2. Nascimento efetivo
Em 1996, por força do art. 1º da Lei Complementar nº 86, foi instituída a Ação Rescisória no âmbito da Justiça Especializada Eleitoral.
O dispositivo suso mencionado encontra-se assim redigido:
“Art. 1º Acrescente-se ao inciso I do art. 22 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral, a seguinte alínea j:
‘Art.22..............................................
I - .................................................
j) a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro do prazo de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado.’”
Esse preceito foi questionado perante o colendo Supremo Tribunal Federal que, em Sessão Plenária realizada em 30.5.96, deferiu em parte a medida liminar requerida na ADIn nº 1.459/5-DF, suspendendo a vigência da oração ‘possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado’, restando intacta a parte do dispositivo que autorizava a Ação Rescisória Eleitoral (Decisão unânime, Rel. Min. SYDNEY SANCHES).
Por oportuno, necessário esclarecemos que a Ação Rescisória Eleitoral tem endereço certo, ou seja, é de aplicação restrita aos casos de inelegibilidades.

2.3. Cabimento
Pelo que se extrai do até aqui exposto, a Ação Rescisória Eleitoral é cabível, tão somente, nos casos de inelegibilidade. Estes, por seu turno, englobam as condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade, conforme ficou assentado de forma majoritária, no Julgamento da Ação Rescisória nº 12 - TO.
Ademais, reafirmando essa posição, o Tribunal Superior Eleitoral julgou, à unanimidade, a Ação Rescisória nº 19 – SC. Naquela oportunidade, o Ministro Eduardo Ribeiro assentou que: “o tema havia sido enfrentado pelo Tribunal no julgamento da AR-12, onde o Ministro Eduardo Alckmin entendeu não haver lugar para a distinção entre pressuposto de elegibilidade e causa de inelegibilidade, pelo menos em relação à rescisória eleitoral”.
Admitiu-se, com acerto, que a lei pretendeu estabelecer a possibilidade do pedido de rescisão para quando se admitisse que o candidato não pudesse concorrer às eleições, seja por não preencher pressuposto de elegibilidade, seja por apresentar-se causa que o fizesse inelegível.
Esclarecedores os seguintes precedentes:
“Ação rescisória. Admissibilidade, em tese, quando se impede concorra o candidato, seja por entender ausente pressuposto de elegibilidade, seja por se apresentar causa que o faça inelegível. (...).” (Acórdão nº 19, Ação Rescisória nº 19, rel. Ministro Eduardo Ribeiro, de 02.04.1998).
“Ação rescisória. Hipótese de cabimento. Inexistência. No âmbito da Justiça Eleitoral, a ação rescisória somente é cabível para desconstituir decisão do Tribunal Superior Eleitoral e que, ademais, contenha declaração de inelegibilidade (art. 22, I, j, CE), o que não ocorre na espécie. (...)” (Ac. no 225, de 6.9.2005, rel. Min. Cesar Asfor Rocha.)
“(...)1. A ação rescisória, no âmbito da Justiça Eleitoral, somente é cabível para desconstituir decisão desta Corte que contenha declaração de inelegibilidade (art. 22, I, j, CE). (...)” (Ac. no 211, de 1o.2.2005, rel. Min. Carlos Velloso.)

2.4. Da aplicação do Código de Processo Civil
Na Ação Rescisória Eleitoral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no art. 485 do Código de Processo Civil. Assim, a sentença de mérito, transitada em julgado, que trata de casos de inelegibilidade e condições de elegibilidade, pode ser rescindida caso estejam presentes quaisquer dos motivos existentes nos incisos I a IX do art. 485 do Código de Processo Civil.
O Tribunal Superior Eleitoral já teve oportunidade de enfrentar a questão, esclarecendo não haver incompatibilidade entre a alínea j do inciso I do art. 22 do CE e as disposições do art. 485 do CPC. (Ac. no 158, de 3.8.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros; no mesmo sentido os acórdãos nos 208, de 16.12.2004, rel. Min. Gilmar Mendes, e 218, de 1o.3.2005, rel. Min. Peçanha Martins.)

2.5. Prazo
O prazo para interposição da Ação Rescisória Eleitoral, pelo princípio da celeridade que pauta os atos da Justiça Eleitoral, tem natureza decadencial, e deve ser manejada em 120 (cento e vinte) dias, sendo o termo inicial desse prazo a data do trânsito em julgado do acórdão rescindendo.
Como se pode extrair da Ac. no 221, de 5.5.2005, relatada pelo Ministro Marco Aurélio, válido observarmos que a propositura de recurso inadmissível não tem o efeito de obstacularizar o trânsito em julgado de pronunciamento judicial. Se, diante de decisão que não desafia recurso extraordinário, insiste-se na admissibilidade deste, interpondo-o e, ante pronunciamento negativo, protocoliza-se o agravo e outros recursos subseqüentes, corre-se o risco de perder o prazo para o ajuizamento da ação rescisória.

2.6. Competência
Sede que merece especial atenção é a que trata da competência para processar a Ação Rescisória Eleitoral.
Preliminarmente, o Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento da Rescisória nº 12-TO, agasalhou entendimento segundo o qual as ações rescisórias, no âmbito da Justiça Eleitoral, com base no art. 22, I, letra “j”, do Código Eleitoral, na redação da Lei Complementar nº 86/1996, seriam processadas perante o Tribunal Superior Eleitoral. Afastou-se, dessa forma, a possibilidade de seu processamento nos Tribunais Regionais Eleitorais, entretanto, garantiu a revisão de acórdão desses tribunais.
Nessa linha de entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral, depois de longo debate sobre sua competência, conheceu da Ação Rescisória nº 12 - TO e a julgou no mérito. O Tema central dessa ação rescisória versava sobre registro de candidatura indeferido por duplicidade de filiações partidárias, por conseguinte, sobre condições de elegibilidade.
Na discussão dessa rescisória, o Ministro Nilson Naves votou vencido pelo não conhecimento da ação, por entender que, no âmbito das ações rescisórias, em matéria eleitoral, somente se compreendia decisões sobre inelegibilidades, assim previstas na Constituição Federal (art. 14, §§ 4º, 6º, 7º e 9º, este último combinado com o disposto na Lei Complementar nº 64/1990, acerca de causas de inelegibilidades infraconstitucionais, autorizadas na regra maior do aludido art. 14, § 9º, da Lei Magna), não cabendo ação rescisória contra decisões versando sobre condições de elegibilidade, ut art. 14, § 3º, da Constituição, entre elas contempladas as questões relativas a domicílio eleitoral e filiação partidária.
O eminente Ministro ficou vencido, ainda, no que pertine à competência do Tribunal Superior Eleitoral para rescindir acórdãos de Tribunais Eleitorais e sentenças de juízes de primeiro grau. No seu entendimento, nem o recém introduzido dispositivo autorizava, nem a interpretação sistêmica da constituição levaria a tal conclusão.
Como se pode observar, num primeiro momento, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu sua competência, quando se questionava decisões que declarassem a inelegibilidade de candidatos, para rescindir sentença de primeiro grau (Ação Rescisória nº 12-TO) e acórdão de Tribunal Regional Eleitoral (Ação Rescisória nº 35-SP).
Ocorre que, pouco tempo depois, retroagindo no seu pensamento, passou a Corte Superior a entender que sua competência estava restrita à rescisão de seus julgados, conforme se extrai da ementa da Ação Rescisória nº 106-SE, verbis: “Ao Tribunal Superior Eleitoral compete apenas processar e julgar originariamente a ação rescisória de seus julgados, não das decisões proferidas pelas Cortes Regionais ou, eventualmente, de sentenças de primeiro grau.”
Seguindo essa orientação, hoje é pacífica a posição da mais alta Corte Eleitoral:
“(...) Ação rescisória. Art. 22, I, j, do Código Eleitoral. Incompetência do TSE para rescindir julgados que não os seus. (...)” (Ac. no 229, de 19.12.2005, rel. Min. Gilmar Mendes.)
“Ação rescisória. Cabimento. Justiça Eleitoral. Art. 22, inciso I, alínea j, do Código Eleitoral. Decisões. Tribunal Superior Eleitoral. Interpretação restritiva. Constitucionalidade. Art. 101, § 3o, e, da Lei Complementar no 35/79. Não-aplicação. 1. A ação rescisória somente é admitida neste Tribunal Superior contra decisões de seus julgados (CF, arts. 102, I, j, e 105, I, e). Interpretação restritiva que não contraria o texto constitucional. Precedente: Acórdão no 106. 2. O art. 101, § 3o, e, da Lei Complementar no 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura) diz respeito à competência das seções existentes nos tribunais de justiça para exame de ações rescisórias, o que não se aplica à Justiça Eleitoral, que segue a regra específica do art. 22, I, j, do Código Eleitoral. (...)” (Ac. no 4.627, de 6.5.2004, rel. Min. Fernando Neves.)
Ao nosso sentir, essa orientação atenta contra o sistema constitucional. Ora, ainda que não prevista expressamente no Código Eleitoral, a ação rescisória eleitoral em face de acórdãos e sentenças de mérito dos órgãos inferiores ao Tribunal Superior Eleitoral é medida de coerência e perfeição do sistema processual eleitoral.
O sistema constitucional de competências não fugiu à lógica. Em todos os dispositivos que cuidam diretamente de competências dos Tribunais, há sempre um voltado a garantir a revisão de decisões transitadas em julgado. Nesse passo temos o art. 102, I, “j; 105, I, “e”; e, 108, I, “b”; os quais cuidam da rescisória no Supremo Tribunal Federal; Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, ficando apenas os ramos da Justiças Especializadas para regulamentação por meio de leis.
Assim, se a Lei Complementar 86 atribuiu competência ao Tribunal Superior Eleitoral para julgar ação rescisória eleitoral, sem fazer qualquer ressalva, não pode o interprete restringir onde o legislador não o fez.
Ademais, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco; “O importante é saber que onde há riscos há também meios para corrigi-los. A ordem constitucional não tolera que se eternizem injustiças, a pretexto de não eternizarem litígios” .
Por isso, não prevalecem argumentos de que a celeridade do processo eleitoral justifica um estado de injustiça tamanho ao fundamento de que a ordem legal eleitoral não prevê o instituto da rescisória no âmbito dos Tribunais Regionais Eleitorais; a ordem legal eleitoral infraconstitucional pode até não prevê, mas o sistema constitucional prevê e permite que seja aplicado, bastando, tão-somente, adaptações necessárias.

2.7. Da contradição do Tribunal Superior Eleitoral
Essa mudança de posição do Tribunal Superior Eleitoral não encontra respaldo legal, ao contrário, é contraditória. Para retroagir na evolução de sua Jurisprudência, voltou-se a argumentar pelo não cabimento da rescisória de acórdãos e decisões, respectivamente, de Tribunais Regionais e Juízes Eleitorais, por falta de previsão legal.
Numa passagem rápida pela doutrina processual, encontram-se diversos instrumentos de revisão da coisa julgada. O mais importante deles, mais não o único, é a Ação Rescisória. Outros existem, tais como: a querela nullitatis (art. 741, I, CPC) e exceptio nullitatis (art. 475-L, I, CPC).
Nesse momento, não pretendemos discorrer sobre esses institutos de revisão da coisa julgada, mas tão-somente demonstrar que o Tribunal Superior Eleitoral não segue um padrão argumentativo, caindo em contradição.
De fato, o que verificamos é que, por anos a fio, havia o argumento de que a rescisória não era usada nesta Justiça Especializada por faltar-lhe previsão legal . Todavia, após a edição da Lei Complementar nº 86/96, tal instituto passou a ser admitido, tanto de seus julgados quanto daqueles de primeira instância , e dos Tribunais Regionais Eleitorais .
Ocorre, entretanto, que em 16 de novembro de 2001, o Ministro Fernando Neves, com sua peculiar capacidade argumentativa, convenceu seus pares da impossibilidade de analisar Ação Rescisória de julgados de primeira instância eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais, pois, segundo ele, a competência do Tribunal Superior Eleitoral cingir-se-ia a julgar apenas as rescisórias de seus julgados, na inteligência do art. 22, I, j, do Código Eleitoral combinado com o art. 102, I, j e 105, I, e, da Constituição Federal.
Nessa linha de entendimento, voltam-se, novamente, os argumentos de que, por falta de previsão legal, as decisões das instâncias menores (Juízes e Tribunais Eleitorais) não seriam rescindíveis, pois, sendo a rescisória via excepcional de impugnação de decisões judiciais, somente seria possível seu manejo nas hipóteses previstas em lei.
Questiona-se: a querela nullitatis tem previsão legal? Não, não tem. Nem por isso, o Ministro Fernando Neves deixou de aplicá-la em dois casos.
E aí, esse posicionamento não contradiz toda Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral? Penso que sim. Isso, por certo, advém da sistemática de formação das Cortes Eleitorais que, não tendo quadro próprio, recruta seus membros de outros órgãos do Poder Judiciário e da Classe dos Advogados.
Essa situação de temporariedade de seus membros faz com que sua jurisprudência seja oscilante, o que traz certa insegurança jurídica.

2.8. Do rito
No que tange ao rito a ser respeitado, como não há procedimento próprio na Justiça Eleitoral, será o mesmo do Código de Processo Civil.
Assim, recebida a Petição Inicial, o relator mandará citar o réu para no prazo nunca inferior a 15 (quinze) dias nem superior a 30 (trinta) responder aos termos da ação.
Caso os fatos alegados pelas partes dependam de provas, o relator delegará a competência ao juiz onde deva ser produzida, fixando prazo de 45 (quarenta e cinco dias) a 90 (noventa) dias para a devolução dos autos.
Em seguida, será aberta vista ao autor e ao réu, sucessivamente, para no prazo de 10 dias apresentarem as razões finais, sendo, posteriormente, remetido ao relator para julgamento.
O prazo para a propositura da ação rescisória encontra-se previsto no artigo 22, I, “j”, do Código Eleitoral, sendo, como dito alhures, decadencial de 120, contados do trânsito em julgado.
Quanto à legitimidade para a propositura, o Código de Processo Civil foi preciso ao estabelecer no artigo 487 que terá legitimidade: I - quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular; II - o terceiro juridicamente interessado; III - o Ministério Público, a) se não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção, b) quando a sentença é o efeito de colusão das partes, afim de fraudar a lei.
Em observância ao princípio da celeridade, os prazos previstos no Código de Processo Civil não são compatíveis com a Ação Rescisória Eleitoral. A par disso, temos que o Tribunal Superior Eleitoral, no exercício de sua competência (art. 23, XVIII, do Código Eleitoral) pode regular a matéria por meio de resolução, assim como fez com o procedimento para requisição de vaga decorrente da perda do mandato por infidelidade partidária, v. g. Resolução nº 22.610, de 25 de outubro de 2007, pois, só a aplicação de um rito mais célere, sem prazos tão elásticos como os do Código de Processo Civil, podem possibilitar que o interessado tenha proveito útil no resultado da demanda, ou seja, o processamento da rescisória eleitoral não pode ultrapassar o limite do razoável, sob pena de sacrificar o direito de quem efetivamente o tem em proveito daqueles que tergiversaram.

III - CONCLUSÃO
A matéria debatida neste artigo encontra-se pacificada pelo Tribunal Superior Eleitoral, especialmente, no que pertine à competência dessa alta Corte para rever apenas as próprias decisões. Assim, as sentenças de primeiro grau, bem como os acórdãos dos Tribunais Regionais Eleitorais, não são rescindíveis, mesmo que esteja presente injustiça inconcebível.
O Tribunal Superior Eleitoral, ao analisar o Agravo Regimental na Ação Rescisória nº 89, de Minas Gerais, averbou que não lhe cabe julgar ação rescisória de sentença de primeiro grau, mas apenas de seus julgados. Asseverou, ainda, que a remessa dos autos ao Tribunal Regional não se justificaria, pois esse órgão não é competente para o julgamento desse tipo de ação, ainda menos de sentença de primeiro grau. A Lei Complementar nº 86/96, ao introduzir a ação rescisória no âmbito da Justiça Eleitoral, incumbiu somente a esta Corte Superior o processo e julgamento.
Com o mais profundo respeito, temos que a “evolução” (retrocesso) do pensamento do Tribunal Superior Eleitoral, após a Ação Rescisória 106, não foi de melhor técnica, até por que, como demonstramos, não há uma coerência argumentativa dessa Corte Superior. Explico: num tempo, não se admite rescisória dos órgãos menores por falta de previsão legal, noutro tempo, admite a querela nullitatis (só que também não há previsão legal para uso deste instituto).
Ao nosso sentir, mesmo para situações inadmissíveis, devem haver remédios para curar as chagas. Entretanto, da forma em que se pautou a Corte Superior, não deixou qualquer saída para resolver questões de verdadeira injustiça, quando se tratar de decisões (sentenças e acórdãos), transitada em julgado, de primeiro grau e dos Tribunais Regionais.
Já que o legislador ordinário não atribui competência às Cortes Regionais Eleitorais para rever seus julgados e dos juízes de primeiro graus, quando transitado em julgado, por meio de rescisória, o Tribunal Superior Eleitoral deveria permanecer analisando pedidos rescisórios, para casos excepcionais, seguindo coerência com o sistema constitucional de competências.
Com efeito, há situações em que tornar indiscutível uma decisão judicial, por meio da coisa julgada, representa injustiça tão grave e ofensiva ao ordenamento jurídico que os órgãos do Poder Judiciário não podem se furtar a enfrentar o problema. Pois, como muito bem assevera Rui Barbosa: "Onde quer que haja um direito individual violado, há de haver um recurso judicial para a debelação da injustiça; este, o princípio fundamental de todas as Constituições livres."
É por tais argumentos que entendemos cabível a rescisória no processo eleitoral, no que pertine aos acórdãos dos Tribunais Regionais Eleitorais e às sentenças dos Juizes de primeiro grau.

IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Acórdão nº 106, Ação Rescisória nº 106, rel. Ministro Fernando Neves, de 16/11/2000.
Acórdão nº 12, Ação Rescisória nº 12, rel. Ministro Eduardo Alckmin, de 08/08/1997.
Acórdão nº 19, Ação Rescisória nº 19, rel. Ministro Eduardo Ribeiro, de 02/04/1998.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 9ª Ed.Rio de Janeiro: Forense, 2001, vol V, p. 107/155.
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FARIAS, Rodrigo Nóbrega. Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - Análise do instrumento constitucional à luz das Resoluções 21.634 e 21.635 do TSE. Curitiba: Juruá, 2005.
JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral Positivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 141.
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LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tocantins: Intelectos, 2003, vol. III.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 6.ed. São Paulo: RT, 2007.
MIRANDA, Pontes de. Tratado da Ação Rescisória. Campinas: Bookseller, 1998.
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NIESS. Pedro Henrique Távora. Ação Rescisória Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 15.
RAMAYAMA, Marcos. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.
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SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 21ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 3.
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Paraná Eleitoral número 67  ( JAN/2008 )
Título: A fidelidade partidária: moralização da política ou impedimento do exercício de direitos individuais?
Autor: Ana Cláudia Santano
Artigos em Portugues
 
A FIDELIDADE PARTIDÁRIA: MORALIZAÇÃO DA POLÍTICA OU IMPEDIMENTO DO EXERCÍCIO DE DIREITOS INDIVIDUAIS?

Ana Claudia Santano, Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional e mestranda em Democracia y Buen Gobierno, na Universidad de Salamanca, Espanha.

Resumo

O instituto da fidelidade partidária constitui-se em um dos pontos mais controversos da reforma política proposta pelo Congresso Nacional. Embora inúmeras tentativas de acordo entre os parlamentares brasileiros, o assunto da fidelidade partidária desperta grande desconfiança, já que envolve o exercício do mandato eletivo, o que leva sempre à sua não aprovação na Câmara dos Deputados, como ocorreu com o projeto de lei n° 1210/2007 recentemente. Porém, a adoção de normas referente à fidelidade partidária também leva a uma reflexão sobre o mandato do parlamentar. Afinal: o mandato exercido pelo parlamentar eleito nas eleições proporcionais é do partido ou do próprio eleito? Quais as conseqüências de cada uma das alternativas? E, ainda, quais serão as conseqüências geradas pelo recente julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão? Este artigo procura expor um panorama geral sobre tal problemática, concluindo ao final que, na atual conjuntura da política brasileira, a fidelidade partidária não seria apenas benéfica, mas acima de tudo, seria necessária, e tardou a ser aplicada.

Palavras-chave: Fidelidade partidária. Mandato eletivo. Reforma política. Partidos políticos.


Introdução

Há tempos o tema da fidelidade partidária traduz uma grande polêmica existente na política brasileira. Afinal, é realmente necessário criar normas que disponham sobre o movimento de parlamentares entre os partidos? Tal medida traria benefícios à tão desgastada política do Brasil?
A resposta é afirmativa. Após tantos abusos cometidos por parte dos parlamentares no exercício de seus cargos, o troca-troca de partidos foi alvo do último – e extremamente controvertido – julgamento do Supremo Tribunal Federal, o qual teve por resultado declarar que o mandato exercido pelo parlamentar é do partido, e não do político eleito.
Entretanto, para esclarecer melhor tais vicissitudes, analisar-se-á os aspectos que envolvem o instituto da fidelidade partidária, bem como serão expostos alguns pontos a serem refletidos, ao final deste artigo.

Fidelidade Partidária na Constituição Federal de 1988

Segundo o art. 17 da Constituição Federal de 1988, os partidos políticos possuem autonomia no que tange à sua estrutura e organização. Trata-se, de fato, de uma liberdade partidária ditada pela Constituição Federal de 1988, abrangendo até a definição de suas normas internas.
Clèmerson Merlin Clève entende que essa autonomia partidária “imuniza a agremiação da interferência do legislador ordinário, mas não imuniza totalmente a agremiação contra o atuar normativo do legislador, desde que compatível com os parâmetros fixados pela Constituição”.
Devido a essa autonomia, poderá o legislador dispor sobre os parâmetros para a atuação dos partidos, e a partir destes, os próprios partidos poderão ter em seus estatutos normas com base nestas disposições.
Ainda, como há resguardo da soberania nacional, é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, mas não é permitido ter qualquer vínculo com outro estado, entidade ou governo estrangeiro, em respeito à soberania.
A autonomia do partido político lhe garante liberdade para definir a sua estrutura interna, organização e funcionamento, sendo que seus estatutos deverão prever normas de fidelidade e disciplina partidárias, por força do art. 17, § 1° da Constituição Federal de 1988. Ou seja, a Constituição Federal de 1988 garantiu a plena liberdade do partido para que este crie um mecanismo estatutário que coíba a infidelidade e indisciplina partidária por parte de seus parlamentares, até porque ninguém melhor que o partido para saber da sua necessidade de controle de seus integrantes.
Uadi Lammêgo Bulos faz uma consideração ao interpretar o art. 17, § 1° da Constituição Federal de 1988:

Note-se que os partidos políticos, ao erigir em seus estatutos os dispositivos necessários para reger a sua organização interna, deverão prescrever pautas de comportamento coibitivas de atos indisciplinares e infiéis às diretrizes partidárias. Portanto, o regime estatutário dos partidos tem a obrigação, constitucionalmente imposta, de prever sanções para os atos de indisciplina e de infidelidade, os quais podem desvalar para o vasto e tormentoso campo da improbidade. A conseqüência da providência sancionatória vai de simples advertência até a exclusão do filiado militante dos quadros do partido. Cumpre recordar que a Constituição Federal de 1988 não permite a perda de mandato por infidelidade partidária.

Antes de adentrar ao tema propriamente dito, é pertinente expor as razões que levaram o instituto da fidelidade partidária a ser uma das maiores preocupações atuais, e ainda pendente de solução, já que a EC n° 52/06 modificou o art. 17, § 1° da Constituição Federal de 1988, complicando ainda a questão, com a anulação da verticalização das coligações.

A “dança das cadeiras” dos Parlamentares

Como é de conhecimento de toda a sociedade, muitos parlamentares eleitos de forma democrática geralmente não terminam os seus mandatos filiados ao mesmo partido pelos quais foram eleitos. Tal migração partidária isto envolve inúmeros aspectos, inclusive interesses particulares, já que este fato não ocorre com um, dois, ou três parlamentares, mas abrange um enorme número de candidatos eleitos, que procuram uma nova agremiação política após a nomeação ao cargo público, alterando profundamente a estrutura política que havia se previsto logo após do processo eleitoral, infelizmente.
A troca de partidos políticos pelos candidatos é muito freqüente, motivada principalmente por interesses eleitorais. O que se verifica freqüentemente é que, um candidato eleito por um partido que compõe o bloco oposicionista provavelmente migrará para outro partido da base aliada ao governo, uma vez que, sendo da base aliada, este parlamentar poderá ser mais facilmente nomeado a cargos expressivos dentro do Congresso Nacional, ou então terá maior facilidade em ver aprovadas as suas emendas, principalmente as orçamentárias, tão discutidas e suspeitas atualmente no Brasil.
Como o sistema multipartidário implantado no Brasil permite a criação e registro provisório de partidos, alguns destes se utilizam desta facilidade para fundar partidos, que somente possuem a função de serem legendas de aluguel, a fim de satisfazer a ambição pessoal ou de um grupo de pessoas, motivado somente por razões eleitoreiras. Ou seja, o indivíduo se elege através de um partido pequeno, que necessita de um quociente eleitoral menor para ter direito às cadeiras dentro da Câmara dos Deputados, ou Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais e, depois de eleito, migra para um partido que lhe ofereça maiores vantagens dentro da estrutura do poder. Contudo, se deve advertir que nem todos os partidos conhecidos como “partidos nanicos” são, de fato, legendas de aluguel.
O desvirtuamento de motivos que envolvem a fundação de inúmeras legendas partidárias desfragmenta e confunde ideologias, já que seus filiados se desencantam e seus candidatos podem ser da “esquerda” e no dia seguinte da “direita”.
Cabe esclarecer que a troca de legendas por parlamentares em 1980 só foi permitida pelo fato do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido Democrático Social (PDS), Partido Progressista (PP), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido dos Trabalhadores (PT) terem sido recém fundados após um longo período ditatorial. Assim, a fim de que tais partidos obtivessem filiados sem que estes perdessem seus respectivos mandatos eletivos, conforme dispunha na época a Constituição Federal de 1967, a regra foi “flexibilizada”.
A história revela que, entre 1946 e 1964 houve uma alta taxa de fidelidade partidária que, apenas para ilustração, nomes como Miguel Arraes, trocou de legenda apenas uma vez, sendo que Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves não trocaram nenhuma vez.
José Antonio Giusti Tavares afirma que a migração partidária acentuou-se após 1985, ano de promulgação da Emenda Constitucional n° 25/85, a qual afastou a fidelidade partidária do texto constitucional. Contudo, um dos verdadeiros fatores que fomentou o processo de migração partidária foi, além do afastamento do dever de ser fiel, outras obscuras razões eleitoreiras, conforme já fora mencionado neste artigo. Através da migração de um partido para o outro, o parlamentar procurava tão somente se eleger, sem respeito a qualquer ideologia. Prova disso, segundo o autor acima citado, é que a migração partidária ocorre de forma bastante clara no 1° e 3° anos legislativos. Porém, há muitos outros interesses nisso, como fazer parte da bancada decisória ou do próprio governo, por exemplo.
Lógico que no mundo inteiro há por parte dos parlamentares a troca de legendas. Entretanto, estas ocorrem principalmente quando se criam novos partidos ou quando há desfiliações rumo à independência partidária. O problema do Brasil toma proporções gigantes pela intensidade e permanência de mudança de partidos, como exemplo: em 1991, cerca de 64,6% dos 513 deputados federais trocaram pelo menos uma vez de partido, sendo esta uma taxa elevadíssima.
No ano de 2005, conforme amplamente anunciado pela imprensa em geral, o troca-troca de partidos atingiu números altíssimos, com mais de 260 trocas de partidos, conforme notícia:

Da posse dos deputados, em fevereiro de 2003, até hoje [01/10/2005], a Câmara havia registrado 248 trocas de partido. Durante todo o dia, parlamentares apressaram-se em comunicar às legendas os novos endereços ideológicos. Um frenesi migratório vale como uma polaróide do caótico sistema partidário brasileiro. O placar do vai-vém será ainda mais dilatado. Como não estavam computadas ainda os cinco deputados do PSOL da líder no Senado Heloisa Helena (AL) nem os dois do PMR da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e do vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, nem mudanças recentes entre os integrantes das siglas mais tradicionais, em dois anos e sete meses, foram registradas mais de 260 trocas de agremiação. O número de trocas relata apenas as idas e vindas dos parlamentares. Não corresponde ao de deputados porque alguns mudaram muito, como Zequinha Marinho (PSC-PA), que sozinho fez seis trocas.

Em 2007, 1° ano de legislatura após as eleições gerais de 2006, já verificou-se um número ainda maior de parlamentares que trocaram de partido, se comparado com o mesmo período anterior, o que demonstra que a infidelidade partidária tende a piorar no decorrer dos anos. Até outubro de 2007 observou-se 48 (quarenta e oito) movimentações partidárias informadas ao Tribunal Superior Eleitoral.
Desta forma, tem-se que o problema atingiu proporções preocupantes.
Jairo Marconi Nicolau aponta para 3 (três) possíveis razões para haver a troca de partidos: a) conflito de natureza ideológica–programática no seu partido de origem; b) conflito de natureza pessoal no seu partido de origem; c) maximização das oportunidades eleitorais. Contudo, o autor ainda aposta na última hipótese, como meio de sobrevivência individual dos políticos, em um momento conturbado.
Sobre a troca de partidos, Eliane Cruxên Barros de Almeida Maciel faz uma consideração:

A troca de partidos permitida pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação partidária e eleitoral contribui para diminuir o grau de representatividade do regime democrático brasileiro, porque não respeita a vontade do eleitor. O voto dado a um partido é indiretamente transferido, após as eleições, para outro partido, alterando a representação eleita, sem consulta ao eleitor.

A autora conclui, afirmando que há infidelidade partidária no que tange à troca de partidos porque no Brasil há a cultura de que o mandato é do próprio candidato e não do partido para, principalmente, sobreviver no meio político, aumentar suas chances eleitorais, além de outras inúmeras razões. Isso acaba por enfraquecer, e muito, os partidos, uma vez que no momento do voto os partidos não são levados em consideração, só o candidato propriamente dito.
David Freischer diz que a fidelidade partidária poderia auxiliar muito no combate à troca de legendas, que deixa o Congresso vulnerável a cada governo, já que cada parlamentar decide quando quer e como quer votar, sem ser limitado ou obrigado a seguir uma diretriz estabelecida pelo partido.
Assim, tem-se que efetivamente a questão da fidelidade partidária tornou-se um ponto de extrema necessidade de aplicação, conforme se verá.

Conceito Doutrinário de Fidelidade Partidária

A doutrina aponta para inúmeros conceitos sobre o que seria fidelidade partidária. Serão expostos os conceitos mais relevantes para este trabalho.
Clèmerson Merlin Clève diz que o instituto da fidelidade partidária “se presta à manutenção da coesão partidária” e não é um meio de engessar a atividade do parlamentar , pois “trata-se, a diretriz, de norma de conduta concretizadora do programa ou da doutrina partidárias”. Por fim, o autor diz que “apenas a autêntica diretriz partidária, (...) pode autorizar a emergência, ocorrente descumprimento, de ato de infidelidade partidária”.
Segundo Gisele Leite, o conceito de fidelidade partidária ainda é algo incerto, já que depende da análise dos estatutos dos partidos, os quais possuem autonomia para definir as próprias regras sobre disciplina e fidelidade partidária. Porém, a autora ressalta que a fidelidade partidária não pode, de maneira alguma, ser um impedimento à liberdade de expressão e pensamento do parlamentar, não forçando a uma traição aos princípios íntimos de cada um.
José Cretella Junior afirma que a fidelidade partidária é um problema de cunho ético, no qual está a idéia de devoção voluntária por parte da pessoa. Assim diz o autor, citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “fidelidade partidária é a consagração consciente, completa e prática do membro do partido, levando-o a agir de tal modo que a entidade consiga atingir os fins políticos, a que se propõe, do melhor modo possível”.
Orides Mezzaroba diz que o instituto da fidelidade partidária determina que o parlamentar deverá prestar contas tão somente ao partido, sob pena de ser substituído no exercício da representação política. Mas em uma análise à proposta da reforma política, o autor supracitado diz que se pode conceituar concretamente fidelidade partidária como sendo: “o compromisso assumido pelos representantes eleitos para o Legislativo ou para o Executivo, em defender e acatar os princípios programáticos de seu partido e das resoluções democraticamente aprovadas em convenções partidárias”.
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins definem a fidelidade partidária como sendo “o dever dos parlamentares federais, estaduais e municipais de não deixarem o partido pelo qual foram eleitos, ou de não se oporem às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos da direção partidária, sob pena de perda de mandato por decisão proferida pela justiça eleitoral”. Entretanto, deve-se advertir que tal posicionamento tinha origem em outro tempo constitucional, e que tal idéia não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
Eliane Cruxên Barros de Almeida Maciel afirma que a fidelidade partidária é “o dever que se impõe ao parlamentar de obediência às diretrizes do partido e de permanecer no partido em que tenha sido eleito, sob pena de perda de mandato”. Novamente saliente-se que a perda do mandato já não mais compõe a regra atual da fidelidade partidária inserida no corpo constitucional vigente.
José Afonso da Silva considera a fidelidade partidária como uma espécie de disciplina partidária, assim:

A disciplina não há de entender-se como obediência cega aos ditames dos órgãos partidários, mas respeito e acatamento do programa e objetivos do partido, às regras de seu estatuto, cumprimento de seus deveres e probidade no exercício de mandatos ou funções partidárias e, num partido de estrutura interna democrática, por certo que a disciplina compreende a aceitação das decisões discutidas e tomadas pela maioria de seus filiados-militantes. O ato indisciplinar mais sério é o da infidelidade partidária, que se manifesta de dois modos: a) oposição, por atitude ou pelo voto, a diretrizes legitimamente estabelecidas pelo partido; b) apoio ostensivo ou disfarçado a candidatos de outra agremiação.

Verifica-se, assim, que somente há a perda do mandato eletivo como ponto de discussão no que tange aos conceitos ora expostos.

As Críticas acerca da atual previsão do instituto da Fidelidade Partidária e a problemática da omissão da vinculação ao mandato do Parlamentar

Como já abordado anteriormente, o artigo 17, § 1° da Constituição Federal de 1988 sofreu forte crítica da doutrina, que acusa a referida norma de inviabilizar a aplicação das regras de fidelidade partidária.
De fato, as discussões surgiram devido à omissão da Constituição Federal de 1988 em vincular o mandato do parlamentar aos seus atos de infidelidade partidária.
Primeiramente, veja-se um histórico normativo sobre esta questão.
A Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que foi pioneira ao tratar da fidelidade partidária no Brasil em âmbito constitucional. Estabelecia a sanção de perda de mandato por atos de infidelidade partidária aos membros do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e Câmaras Municipais, mediante representação do próprio partido e decisão da Justiça Eleitoral, conforme artigo 152, parágrafo único. Estes atos compreendiam atitudes ou votos contrários às diretrizes fixadas pelo partido ou ainda manifestada no afastamento do parlamentar do partido.
Também na Emenda Constitucional n° 11/78 previu-se a perda de mandato em casos de infidelidade ou para o parlamentar que deixasse o partido pelo qual foi eleito, salvo se fosse para participar da fundação de um novo partido.
O Código Eleitoral de 1950 previa apenas a violação praticada por órgão do partido, não abordando a questão dos filiados. A única sanção prevista era a dissolução, com o conseqüente cancelamento do registro.

Ainda, as Leis Orgânicas dos Partidos Políticos de 1965, 1971 e 1979 analisavam a violação por órgão do partido das diretrizes estabelecidas, bem como previam situações individuais dos filiados, concedendo-lhes deveres de disciplina, no que tange ao respeito a princípios programáticos, à probidade no exercício de mandatos ou funções partidárias, sujeitas às seguintes penalidades: a) advertência; b) suspensão por 3 a 12 meses; c) destituição de função em órgãos partidários; d) expulsão.
Assim, com a previsão da Constituição de 1988, a fidelidade partidária é referida como matéria obrigatória dos estatutos dos partidos políticos, corroborando também o artigo 15, inciso V da Lei n° 9096/95. Ressalte-se que, caso não tenha previsão de tais normas nos estatutos, os partidos poderão ter cassados o seu registro provisório ou de pedido de registro definitivo .
Mas neste ponto, cabe uma consideração de Gustavo Henrique Caputo Bastos:

Fidelidade e disciplinas partidárias são matérias que devem, obrigatoriamente, constar dos estatutos dos partidos. Vale ressaltar, por oportuno, que a nova lei, além de garantir amplo direito de defesa ao filiado eventualmente acusado, exige, para imposição de medida disciplinar ou punição, conduta tipificada no estatuto, vale dizer, ato ou omissão, doloso ou culposo, que produza um resultado previsto na norma estatutária incriminadora. Em nenhuma hipótese prevê a lei a perda de mandato do parlamentar infiel ou indisciplinado, tal como pretendido pelo projeto originalmente aprovado pela Câmara (PL n° 1670-B/1989, art. 25), por isso que tal dispositivo seria facilmente declarado inconstitucional ante os termos exaustivos do art. 55 da Constituição Federal de 1988.

Neste ponto, inicia-se a exposição acerca do debate da possibilidade de vinculação do mandato eletivo aos atos de infidelidade partidária.
Segundo Orides Mezzaroba, embora não haja previsão normativa sobre o assunto, “a ação mais drástica que o partido pode praticar é a de excluir o infiel de sua legenda. Porém, quando se tratar de membro do Legislativo, tal exclusão terá como reflexo unicamente a perda de eventuais cargos ocupados em mesas diretoras, por se tratar de indicações partidárias”.
Acompanhando este raciocínio, Arlindo Fernandes de Oliveira afirma: “como se trata de cargo a que o parlamentar chegou por representação do partido, ele o perde automaticamente caso deixe o partido sob cuja legenda tenha sido eleito. Esse dispositivo consta, igualmente, de projeto de resolução que altera o Regimento Interno da Câmara, aprovado pela Comissão da Câmara dos Deputados instituída para apreciar a reforma política”.
Em face disso, Orides Mezzaroba diz que não há porque proteger o mandato dos representantes infiéis, já que não se trata de uma propriedade pessoal do parlamentar. Ora, se os votos da legenda elegem parlamentares, esses mandatos deveriam ser do partido, na opinião do autor, que deve resguardar a sua confiança no representante que preenche tal mandato. Porém, a perda de mandato por ato de infidelidade partidária não está prevista no art. 55 da Constituição Federal de 1988 (artigo que dispõe sobre o rol de hipóteses de perda de mandato) e, se é assim, também não poderá o partido dispor em seu estatuto tal sanção. No entanto, o parlamentar poderá ser punido, nos termos da Lei n° 9096/95, que dispõe 3 (três) requisitos para ser configurada a obrigatoriedade de fidelidade partidária: (i) o partido deve ter estabelecido suas diretrizes; (ii) que o estabelecimento destes tenha ocorrido de modo legítimo e; (iii) pelos órgãos de direção do partido.
Assim, como o autor supra afirma que o parlamentar não poderá perder o seu mandato por infidelidade partidária, e como a Constituição Federal de 1988 silenciou a este respeito – o que pode ter sido feito de propósito, já que a Carta Magna havia disposto os casos de perda de mandato no artigo 55 - o instituto da fidelidade partidária só pode ser aplicado limitadamente pelos partidos políticos. Era neste sentido que se estabelecia o entendimento do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral, mas que recentemente fora modificado.
Nos casos de indisciplina partidária, o representante também poderá ser punido com advertência; suspensão; destituição do exercício de funções nos órgãos partidários e até expulsão dos quadros do partido. Esse procedimento deverá obedecer aos direitos e garantias fundamentais do artigo 5° da Constituição Federal de 1988. Mas como nem mesmo a fidelidade partidária prevê um mecanismo eficaz para sanção de parlamentares que trocam de legenda, no caso de indisciplina partidária também ocorre o mesmo, restando aos partidos somente retirar o representante da função ou cargo que exercia na Casa Legislativa respectiva, devido à proporção partidária, já que a representação nas comissões do Congresso Nacional é partidária e não é vinculada ao parlamentar que exerce tais funções.
Ocorre que o mandato que é considerado pessoal do representante, geralmente é adquirido com voto de legenda, o que torna a questão controvertida e polêmica, argumento este, inclusive, utilizado para fundamentar os votos proferidos tanto na consulta n° 1398/07, DF, perante o Tribunal Superior Eleitoral, bem como os mandados de segurança impetrados perante o Supremo Tribunal Federal, que culminou no último julgamento referente ao assunto.
Assim, após tal exposição, Orides Mezzaroba conclui que a Constituição Federal de 1988 criou uma ilusão ao instituir a fidelidade partidária para os estatutos dos partidos sem prever a possibilidade de perda de mandato, tornando o instituto impraticável e fazendo com que somente seja coerente regular-se a disciplina partidária nos estatutos, já que é uma questão “interna corporis”.
Marco Maciel afirma que a fidelidade partidária é vital para o fortalecimento dos partidos políticos. Contudo, o autor diz que a solução não deve ser inserida no sistema por via constitucional, como ocorreu no passado. O autor entende que é mais uma questão partido-representante e que, por isso, deve ser resolvida no âmbito partidário. Por fim, faz a seguinte consideração: “É uma questão, por conseguinte, que pode e deve ser resolvida por meio de alteração na legislação partidária”.
A Constituição Federal de 1988 não prevê a perda do mandato por infidelidade partidária, ao contrário das Constituições anteriores. Inclusive chega a vedar isso, nos termos do art. 55, no rol das hipóteses de perda de mandato, que é taxativo .
Segundo Clèmerson Merlin Clève, para que se possa verificar se houve descumprimento de deliberação e conseqüente ato de infidelidade partidária, deve-se comparar e analisar se a decisão/deliberação feita pelo partido coaduna com as diretrizes partidárias contidas no estatuto. Pois, se não for de acordo, o parlamentar não é obrigado a obedecer à deliberação para haver infidelidade. Para haver infidelidade, o ato deve estar tipificado no estatuto do partido, valendo aqui as mesmas noções de direito penal, no que tange à interpretação de normas tipificadas:

O princípio constitucional da fidelidade partidária deve ser compatibilizado com os demais princípios constitucionais, designadamente, o princípio do mandato representativo e o princípio da liberdade de consciência, de pensamento e de convicção (os direitos fundamentais possuem natureza principiológica). A fidelidade partidária não pode chegar ao ponto de transformar mandato representativo em mandato imperativo, e o parlamentar em autômato guiado pelas cúpulas partidárias. Não pode também chegar a ponto, observados a doutrina e o programa partidário, de violentar a consciência e a liberdade de convicção e de pensamento do parlamentar. Ocorrendo situação de conflito, e desde que não sejam maculados o programa e a doutrina partidárias, está o parlamentar autorizado a abster-se de votar sempre que a diretriz partidária venha a significar violência à sua esfera de intimidade e de convicção.

Sobre a questão da convicção do parlamentar, Torquato Jardim afirma que a lei não prevê, como casos de infidelidade partidária, a escusa de ordem filosófica ou religiosa ou de convicção íntima por parte do parlamentar. A Constituição Federal de 1988 tem no rol dos direitos e garantias fundamentais a inviabilidade da liberdade e da consciência e de crença. Dessa forma, é uma grande lacuna que deverá ser preenchida pelos estatutos dos partidos.
E é devido a este direito ao livre pensamento e consciência do parlamentar que muitos autores defendem a utilização da fidelidade partidária com moderação. Clèmerson Merlin Clève diz que o instituto da fidelidade partidária deve ser usado moderadamente, sob pena de ferir a Constituição; e que a fidelidade partidária não deve servir de fundamento para a agressão de direitos fundamentais dos parlamentares, principalmente a liberdade de consciência.
Lucio Reiner também é incisivo ao concluir que:

Vê-se que o mandado de eleitores de fato inexiste, pois votam em um candidato que represente, no Congresso, uma determinada opção global para a sociedade, ou uma ideologia, ou certos valores, ou apenas por empatia pessoal. Seria utópico que o eleito se comportasse da exata forma como os eleitores o fariam se estivessem no seu lugar, menos ainda por não saber, com precisão, quem de fato votou nele. Depois, porque os eleitores nem sempre votam em um determinado candidato, mas na legenda. Confiam, portanto, em que o partido corresponderá aos seus anseios e que seus eleitos seguirão o programa genérico e defenderão as grandes linhas nele contidas. Dessa forma, não é possível ao parlamentar arrogar-se a propriedade do mandato, assim como tampouco o pode fazer a legenda.

Sob este panorama, verifica-se que a questão ainda está longe de um consenso, embora já tenha se pronunciado tanto o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal.




Propostas acerca da fidelidade partidária para a reforma política

Devido a toda a discussão acima narrada, e com a crescente preocupação com a questão da fidelidade partidária, esse tema é um dos mais polêmicos da reforma política que ora tramita no Congresso Nacional. Atualmente a fidelidade partidária deverá ser tratada nos estatutos dos partidos, sendo que a própria Constituição Federal de 1988 não nomina como uma hipótese de perda de mandato a infidelidade ou indisciplina partidárias. A única norma que prevê algo sobre fidelidade partidária é o art. 18 da lei n° 9096/95, que dispõe sobre o prazo de 1 (um) ano antes das eleições para o prazo limite para mudanças de partido por parte do candidato, mas está sendo a ocasião para os debates, mas que também está longe de se chegar a um consenso. Por ora, serão expostas as propostas da reforma política para a questão da fidelidade partidária.
As principais propostas de reforma política, no que tange a fidelidade partidária eram: (i) altera o art. 9° da lei n° 9504/97, aumentando para dois anos o prazo de filiação partidária, com vistas a cargo eletivo (PL 1974/99, Dep. João Paulo); (ii) Perda de mandato do parlamentar que vier a desfiliar-se do partido em cuja legenda foi eleito (PEC 42/95, Dep. Rita Camata); (iii) Propõe a perda de mandato do parlamentar que descumprir decisão partidária tomada em convenção por 2/3 dos votos (PEC 24/99, Dep. Eunicio Oliveira); (iv) Perda de mandato do parlamentar que se filiar a partido político diverso daquele pelo qual foi eleito (PEC 85/95, Dep. Silvio Torres; PEC 85/95, Dep. Adylson Motta); (v) Perda de mandato do parlamentar que, por atitude ou voto, opuser-se aos princípios fundamentais do Estatuto Partidário (PEC 137/95, Dep. Hélio Rosa). Como se pode verificar, há somente uma proposta moderada, sendo que todas as outras prevêem a perda do mandato pelo parlamentar tido como infiel.
Todavia, em uma tentativa de aprovação da reforma política, através do PL n° 1210/2007, de autoria do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), em acordo com os líderes de partidos dentro da Câmara dos Deputados, ousou-se compilar parte do conteúdo dos projetos de lei acima expostos, resultando na proposta de que, juntamente com o voto em listas fechadas, haveria a recolocação do parlamentar infiel ao final das listas dos partidos, sem qualquer previsão de perda de mandato. Ressalte-se que tal projeto de lei não foi aprovado pela Câmara dos Deputados, gerando nova controvérsia sobre a questão.
Embora o referido projeto de lei aborde a problemática, é cediço que um dos problemas apontado para a grande infidelidade partidária e que supostamente fomenta o troca-troca de partidos é o sistema de lista aberta, também alvo da reforma política e prontamente rejeitado pelos parlamentares. Entretanto, ao tratar do tema, Eliane Cruxên Barros de Almeida Maciel explica que:

Tais regras estimulam a fidelidade partidária, ao priorizar, no ordenamento da lista, na ordem decrescente da votação obtida no pleito de 2002, os candidatos originários, ou seja, os eleitos pelo próprio partido ou em coligação com estes, os suplentes efetivados e os suplentes que exerceram o mandato pelo menos seis meses até 31 de dezembro de 2003. A seguir, integram a lista os candidatos que houverem mudado de legenda após o pleito de 2002, respeitada a ordem de votação obtida. Se o partido ou federação não tiver candidato originário, os candidatos oriundos de outros partidos comporão sua lista pela ordem decrescente de suas votações no pleito de 2002.

Há outras diversas medidas que foram pensadas a fim de combater o problema da infidelidade, mas que estão longe de um desfecho. Uma delas era a aprovação do projeto de resolução n° 201/05 em novembro de 2004, de autoria do deputado Bismarck Maia (PSDB-CE), que versava sobre a distribuição proporcional aos partidos e blocos partidários das vagas nas comissões técnicas e na Mesa Diretora da Casa, como uma tentativa de diminuir o troca-troca de partidos dentro da organização interna da Câmara dos Deputados. O texto foi aprovado com o substitutivo de autoria do deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), que se referia, no caso de comissões, à distribuição proporcional às bancadas, que seria feita a partir da composição numérica obtida com o resultado final das eleições e que permanecerá inalterada por toda a legislatura. Esta regra entrará em vigor em 01 de fevereiro de 2007. Ainda, em 08 de março de 2006 foi aprovada no Congresso a EC n° 52/06, que alterou a redação do § 1° do art. 17 da Constituição Federal de 1988, sendo esta Emenda Constitucional um verdadeiro retrocesso nesta caminhada, já que se refere não diretamente à fidelidade partidária, mas sim à fidelidade ideológica dos partidos.

Posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal diante da questão

Surpreendentemente, em resposta à consulta formulada pelo antes Partido da Frente Liberal (atual Democratas), o Tribunal Superior Eleitoral se pronunciou, no sentido de afirmar que o mandato eletivo era do partido, e não do parlamentar. Contudo, embora tenha sido uma decisão histórica, não gerou maiores conseqüências, vez que tais respostas às consultas formuladas naquele Tribunal não possuem efeito vinculante.
Entretanto, provocado através dos Mandados de Segurança n° 26602, 26603 e 26604, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se incisivamente sobre o tema, confirmando o posicionamento anterior do TSE, ou seja, declarou que o mandato eletivo é do partido, e não do parlamentar. Todos os ministros concordaram em preservar o princípio da segurança jurídica, e estabeleceram a data de 27 de março de 2007 (data em que houve a resposta à consulta n° 1398 pelo TSE) como data limite para os partidos punirem os infiéis. Somente antes desta data, cerca de 30 deputados federais foram “anistiados”, e 17 correm o risco de perderem seus mandatos.
Ainda é cedo para avaliar a “judicialização” da política ocorrida recentemente. O que se sabe é que, certamente, trata-se de um grande avanço para a estrutura política do Brasil, diante de tanto abuso e descaso dos parlamentares para com a sociedade.
No desenrolar deste capítulo da nossa história política, se saberá futuramente qual alternativa novamente trará para o povo brasileiro a genuína democracia tão idealizada, tornando a população consciente, pois será dela que se originará o controle mais eficaz para a infidelidade partidária: o voto bem pensado.




REFERÊNCIAS

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http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac60489,0.htm "
  http://www.paranaeleitoral.gov.br/artigo_impresso.php?cod_texto=232&palavra_chave[]=Braga&e_ou=e

http://www.paranaeleitoral.gov.br/artigo_impresso.php?cod_texto=230&palavra_chave[]=Braga&e_ou=e


Paraná Eleitoral número 63  ( JAN/2007 )
Título: Apresentação Revista Paraná Eleitoral n.º 63
Autor: Des. Telmo Cherem
Artigos em Portugues
"A edição de número 63 da nossa revista Paraná Eleitoral, referente ao primeiro trimestre de 2007, chega concomitantemente com uma novidade auspiciosa no cenário político-eleitoral brasileiro. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por maioria de 6 votos a 1, definiu que os mandatos obtidos nas eleições, pelo sistema proporcional (deputados federais, estaduais e vereadores), pertencem aos partidos políticos ou às coligações e não aos candidatos eleitos.
A decisão foi tomada no dia 27 de março e representa, conforme definiu o Presidente da Corte, Ministro Marco Aurélio, ‘uma fidelidade à Constituição Federal’, concluindo que ‘o Tribunal deu uma ênfase maior à vontade do eleitor que vota, em primeiro lugar, na legenda’.
Aguardam-se, assim, os desdobramentos e os efeitos dessa decisão do nosso Tribunal Superior, que, acredito, trarão acesos debates para as cortes regionais, repercutindo, por conseqüência, em nossa jurisprudência.
Abrindo esta edição, a bacharela Ana Claudia Santano, especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná e pós-graduanda em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, apresenta um rico trabalho sobre a questão da cláusula de barreira dentro do sistema partidário brasileiro, contribuindo sobremaneira para o fomento da discussão que envolve esse já importante e polêmico tema.
O acadêmico de direito Rafael Damaceno de Assis apresenta o seu artigo Uma visão diferenciada do direito à igualdade. Letícia Carina Cruz, graduanda em Ciências Sociais e o professor Sérgio Braga, ambos da Universidade Federal do Paraná – UFPR, apresentam em seu artigo A Justiça Eleitoral e o uso da internet pelos candidatos às eleições de outubro de 2006 na região Sul do Brasil algumas evidências para o pouco uso das diversas ferramentas disponibilizadas pela rede mundial de computadores, durante o processo eleitoral, contrariando a previsão de alguns analistas, que achavam poder a internet tornar-se um dos meios mais utilizados para organizar as campanhas e contornar alguns dos obstáculos interpostos à propaganda eleitoral pela legislação recente.
Do advogado Raphael Montenegro, nosso habitual colaborador, recebemos o artigo Abuso do Poder Econômico e uso da Máquina Político-Administrativa em Campanhas Eleitorais e Controle das Prestações de Contas, abordando o art. 30-A da Lei 9.504/97, recentemente incluído no ordenamento jurídico pela Lei nº 11.300/06.
Na segunda parte da revista, o leitor encontrará uma seleção de julgados da nossa Corte.
Para finalizar, gostaria de agradecer a todos pela contribuição prestada na confecção de mais uma edição da Paraná Eleitoral, esperando que possa a Revista enriquecer a doutrina jurídica-eleitoral.



Des. TELMO CHEREM
Presidente"

http://www.paranaeleitoral.gov.br/artigo_impresso.php?cod_texto=232&palavra_chave[]=Braga&e_ou=e
"
Título: A Justiça Eleitoral e o uso da internet pelos candidatos às eleições de outubro de 2006 na região Sul do Brasil
Autor: Letícia Carina Cruz e Sérgio Braga
Artigos em Portugues
 
A Justiça Eleitoral e o uso da internet pelos candidatos às eleições de outubro de 2006 na região Sul do Brasil
(Letícia Carina Cruz, graduanda em Ciências Sociais, Bolsista UFPR/TN)
(Sérgio Braga, Professor/DECISO-UFPR)

Introdução:
Por ocasião do último pleito eleitoral, alguns analistas previam que, assim como ocorreu em alguns países de democracia mais institucionalizada, a internet poderia tornar-se a grande novidade nas eleições. Afirmavam tais observadores que essa influência poderia ser reforçada pelas restrições impostas pela legislação à realização das campanhas eleitorais. Devido a tais restrições, a internet ¾ previam tais analistas ¾ poderia tornar-se um dos meios mais utilizados (e quiçá mais eficazes) para organizar as campanhas e contornar alguns dos obstáculos interpostos à propaganda eleitoral pela legislação recente.
Tal fenômeno de fato ocorreu? A internet tornou-se uma das “estrelas” da última campanha eleitoral, conforme previam antes de seu início alguns analistas? O objetivo deste pequeno texto é apresentar algumas evidências que possibilitem uma resposta mais fundamentada a tais perguntas e, complementarmente, refletir sobre questões de natureza mais substantiva a respeito dos resultados observados em nossa investigação. Subsidiariamente, procuraremos apresentar algumas prescrições com vistas a corrigir alguns defeitos na legislação vigente sobre o uso da internet pelos candidatos, assim como melhorar os estatutos normativos que regulamentam o uso da internet em campanhas eleitorais no Brasil.

I) O universo empírico da pesquisa e o uso da internet pelos candidatos.

O universo empírico de nossa pesquisa constituiu-se dos 2078 candidatos que conseguimos levantar, dos três estados das Regiões Sul do Brasil. Os dados foram coletados no site do TSE em julho de 2006. Observe-se que pode haver alguma disparidade dos dados da tabela a seguir com as totalizações dos candidatos que tiveram suas candidaturas homologadas (exclusive as impugnadas ou anuladas) pelos T.R.Es, pois ainda não fizemos a checagem final de todas as informações coletadas. O universo empírico de nossa pesquisa é dado pela tabela abaixo:

Tabela 1: Candidatos pesquisados(por cargo disputado)
Deputado Estadual Deputado Federal Senador Governador Total
N % N % N % N % N %
Paraná 559 41,0 234 35,6 11 37,9 9 34,6 813 39,1
Santa Catarina 305 22,3 134 20,4 8 27,6 7 26,9 454 21,8
Rio Grande do Sul 501 36,7 290 44,1 10 34,5 10 38,5 811 39,0
Total 1365 100,0 658 100,0 29 100,0 26 100,0 2078 100,0
Vagas em disputa
Paraná 54 36,2 30 39,0 1 33,3 1 33,3 86 37,1
Santa Catarina 40 26,8 16 20,8 1 33,3 1 33,3 58 25,0
Rio Grande do Sul 55 36,9 31 40,3 1 33,3 1 33,3 88 37,9
149 100,0 77 100,0 3 100,0 3 100,0 232 100,0
Índice de competitividade eleitoral (candidato por vaga)
Paraná 10,4 7,8 11,0 9,0 9,5
Santa Catarina 7,6 8,4 8,0 7,0 7,8
Rio Grande do Sul 9,1 9,4 10,0 10,0 9,2
Fonte: TSE, julho de 2006
Durante os meses de agosto a outubro de 2006 a equipe de pesquisa empreendeu um levantamento dos candidatos a cargos eletivos que construíram web sites para organizar suas campanhas eleitorais, dos candidatos que possuíam e disponibilizaram e-mails para interagir com e disponibilizar informações para o eleitor, assim como foram efetuados “experimentos” pela internet onde os pesquisadores enviavam mensagens aos candidatos solicitando informações para definir sua decisão de voto, a fim de testar o “grau de interatividade” de cada candidato com o eleitor durante a campanha eleitoral. Como inexistiram mecanismos de registro e acompanhamento adequado de tais dados pelo TSE, assim como dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos domínios mencionados pela legislação eleitoral para o registro e uso dos web sites por parte dos candidatos, utilizamos mecanismos de busca da internet para fazer o levantamento dos candidatos que possuíram web sites de propaganda e/ou que divulgavam e-mail para contato nas eleições. O objetivo da equipe de pesquisa era elaborar e testar uma metodologia, em várias frentes de coleta de dados, para avaliar o uso que os candidatos às eleições faziam da internet para divulgar suas informações e interagir com o eleitor.
Finalizado o pleito eleitoral, os resultados de nossa pesquisa são os que seguem abaixo.

Tabela 2: Uso de web sites pelos candidatos da região Sul (eleições de outubro de 2006)
Sem web site Comweb site Total
N % N % N %
Percentual de uso de web sites por unidade da federação
PR 736 90,5 77 9,5 813 100,0
RS 789 97,3 22 2,7 811 100,0
SC 418 92,1 36 7,9 454 100,0
Total 1943 93,5 135 6,5 2078 100,0
Percentagem de web sites por cargo
Deputado Estadual 1307 95,8 58 4,2 1365 100,0
Deputado Federal 610 92,7 48 7,3 658 100,0
Governador 10 34,5 19 65,5 29 100,0
Senador 16 61,5 10 38,5 26 100,0
Total 1943 93,5 135 6,5 2078 100,0
Proporção de Web sites X partido relevante
PC do B 18 90,0 2 10,0 20 100,0
PDT 176 94,1 11 5,9 187 100,0
PFL 87 92,6 7 7,4 94 100,0
PMDB 198 87,6 28 12,4 226 100,0
PP 130 97,7 3 2,3 133 100,0
PPS 139 88,0 19 12,0 158 100,0
PSDB 175 92,6 14 7,4 189 100,0
PSTU 12 92,3 1 7,7 13 100,0
PT 163 83,2 33 16,8 196 100,0
PTB 107 99,1 1 0,9 108 100,0
PV 160 98,2 3 1,8 163 100,0
Total 1943 93,5 135 6,5 2078 100,0
Porcentagem de web sites X taxa de eleição
Foram eleitos 183 78,9 49 21,1 232 100,0
Não foram eleitos 1760 95,3 86 4,7 1846 100,0
Total 1943 93,5 135 6,5 2078 100,0
Fonte: Base de dados do projeto "Internet e Política"


Estão assinalados na tabela acima os itens com maior freqüência. Sublinhe-se que, dada a expectativa inicial da equipe de pesquisa, o grau de utilização de web sites pelos parlamentares das várias regiões do país foi bastante inferior ao esperado. Apenas 135 candidatos, de um total de 2078 registrados na Justiça Eleitoral, construíram web sites para divulgar suas atividades. Esse percentual é inferior ao observado em outras pesquisas realizadas sobre o uso de sites pelos parlamentares eleitos (BRAGA et. al., 2006).
Vimos, assim, que apenas uma pequena parcela dos candidatos empregou os recursos da internet para divulgar suas campanhas eleitorais. Além dessa relativamente pequena porcentagem, outro dado interessante da tabela acima é a distribuição desigual de uso de web sites pelas várias categorias de candidatos.
Temos assim que o estado da região Sul que apresentou maior taxa de web sites dos candidatos foi o Paraná (9,5%), seguido por Santa Catarina (7,9%) e pelo Rio Grande do Sul (2,7%). No tocante aos cargos disputados, a categoria que apresentou a maior taxa de construção de web sites foi a de Governador (65,5%), seguida pelos candidatos ao Senado Federal (38,5%), Deputados Federais (7,3%) e, por fim, Deputados Estaduais (4,2%).
Em relação aos partidos relevantes, foram o PT (16,8%) e o PMDB (12,4%), não por acaso os partidos mais bem estruturados e que tiveram melhor desempenho eleitoral, que apresentaram a maior taxa de utilização de web sites, seguidos pelo PPS (12,0%) e PcdoB (10,0%). Entretanto, a diferença mais significativa de percentual ocorreu entre os eleitos e não eleitos: dos 232 candidatos eleitos, 49 (21,1%) utilizaram web sites, um percentual bastante significativo.

II) Perfil dos candidatos “usuários” de internet.

Outra pergunta que podemos tentar responder neste pequeno artigo é o perfil desses 135 “usuários” da internet. A que partidos pertenciam? De que regiões eram originários? Qual a taxa de eleição dos usuários? A que cargos concorriam? A resposta a tais indagações é fornecida pelas tabelas abaixo:
Tabela 3: Perfil dos usuários da internet (eleições de outubro de 2006)
N %
Unidade da federação
Paraná 77 57,0
Rio Grande do Sul 22 16,3
Santa Catarina 36 26,7
Total 135 100,0
Cargo que concorreu
Deputado Estadual 58 43,0
Deputado Federal 48 35,6
Senador 10 7,4
Governador 19 14,1
Total 135 100,0
Taxa de eleição
Não foram eleitos 86 63,7
Foram eleitos 49 36,3
Total 135 100,0
4 maiores partidos políticos
PT 33 24,4
PMDB 28 20,7
PPS 19 14,1
PSDB 14 10,4
Total 94 69,6
Fonte: Base de dados do projeto "Internet e Política"

III) O uso da internet pelos eleitos.

Por fim, devemos verificar o grau em que os 232 candidatos eleitos utilizaram a internet, e se o percentual de uso da internet pelos políticos bem-sucedidos é mais significativo do que o efetuado pelos candidatos. Para avaliarmos como foi o uso da internet pelos 232 eleitos nas últimas eleições procuraremos verificar o desempenho das seguintes variáveis: a) a que partidos pertenciam?; b) qual o percentual de eleitos por cada região?; c) qual o percentual de uso da internet por cargos? Essas respostas são dadas pela tabela abaixo:
Tabela 4) Uso da internet pelo eleitos

Com web site Sem web site Total
N % N % N %
Unidades da Federação
Paraná 32 37,2% 54 62,8% 86 100,0%
Santa Catarina 9 10,2% 79 89,8% 88 100,0%
Rio Grande do Sul 8 13,8% 50 86,2% 58 100,0%
Total 49 21,1% 183 78,9% 232 100,0%
Cargos
Deputado Estadual 24 16,1 125 83,9 149 100,0
Deputado Federal 20 26,0 57 74,0 77 100,0
Governador 3 100,0 0 0,0 3 100,0
Senador 2 66,7 1 33,3 3 100,0
Total 49 21,1 183 78,9 232 100,0
Partidos políticos
PMDB 16 27,6 42 72,4 58 100,0
PT 12 33,3 24 66,7 36 100,0
PP 1 3,3 29 96,7 30 100,0
PSDB 8 29,6 19 70,4 27 100,0
PFL 5 19,2 21 80,8 26 100,0
PDT 4 25,0 12 75,0 16 100,0
PPS 2 16,7 10 83,3 12 100,0
PTB 1 8,3 11 91,7 12 100,0
PSB 0 0,0 5 100,0 5 100,0
PL 0 0,0 4 100,0 4 100,0
PC do B 0 0,0 2 100,0 2 100,0
PMN 0 0,0 1 100,0 1 100,0
PRB 0 0,0 1 100,0 1 100,0
PSOL 0 0,0 1 100,0 1 100,0
PV 0 0,0 1 100,0 1 100,0
Total 49 21,1 183 78,9 232 100,0
Fonte: Projeto "Internet e Política"

Vemos que a taxa de uso da internet pelos eleitos é significativamente superior à dos candidatos por qualquer critério que se utilize. Podemos deduzir, assim, que são os candidatos eleitoralmente mais competitivos que usam a internet com maior eficácia.

IV) O caso do Paraná: análise dos contatos por e-mail com os candidatos paranaenses

Por fim, podemos apresentar resumidamente os dados de mais uma frente de coleta em que trabalhamos, tendo em vista o nosso objetivo de desenvolver uma metodologia para mensurar o grau de uso da internet pelos candidatos à pleitos eleitorais: o uso de e-mails pelos candidatos para se comunicar com os cidadãos, tendo em vista mensurar sua interatividade com um hipotético “eleitor”.
A resposta dos candidatos à cargos eletivos no Paraná, nas eleições de 2006, foi muito baixa, infelizmente. Isto que prova que, em nosso estado, a Internet ainda é um instrumento “em potencial”, não sendo largamente utilizado e difundido nos principais meios democráticos, ao contrário de outros países mais desenvolvidos.
Quanto aos nossos dados sobre o estado do Paraná, eles indicam o seguinte:
· Do total de 814 candidatos, apenas 77 web sites foram efetivamente encontrados, o que dá um percentual de 9,4%.
· Desse total de 77 web sites, 49 apresentaram links para e-mails, ou os informaram de maneira clara, o que representa 63,63% do total.
· Ainda assim, nem todos responderam aos e-mails enviados com questões quanto às candidaturas. Dos 49 e-mails enviados, apenas recebemos retorno em 19 dos casos, o que representa um percentual de 38,77%.
· Quanto aos dados relacionados: candidatos X e-mails, o percentual é de apenas 6,01% de candidatos que apresentaram e-mails.
· E o pior: os candidatos que responderam aos e-mails representam apenas 2,33% do universo populacional total.
Realmente, o “boom” virtual que vivenciamos recentemente não repercutiu na arena eleitoral no último pleito. Logo, a necessidade de que os candidatos percebam a importância de mais esse canal para a divulgação de candidaturas e suas propostas concretas, proporcionando mais um meio de acesso à informação democrática aos brasileiros, ainda não se concretizou no Brasil, especialmente no Paraná.
Por sua vez, as taxas de resposta a e-mais enviados em outros estados foram as seguintes:
· Em SC, dos 232 e-mails pedindo informações biográficas e sobre propostas eleitorais, apenas 48 foram respondidos, com uma taxa de resposta de 20,0%, relativamente elevada;
· No RS, de 100 e-mails enviados a candidatos a Câmara dos Deputados, aproximadamente 35 foram respondidos, o que dá uma taxa, também razoavelmente elevada, de 35,0% de resposta.
Conclusões:
Apesar do caráter exploratório e ainda embrionário do presente estudo, os dados coletados, além de contribuírem para a definição de uma metodologia mais precisa para mensurar o grau de uso da internet por parte dos candidatos às eleições, nos permitem concluir pelo baixo grau de uso das várias ferramentas disponibilizadas pela internet.
A nosso ver, três fatores podem servir com explicação para esse baixo grau de uso da internet pelos candidatos a vários postos eletivos no último pleito eleitoral da região Sul:
· Falta de acesso dos parlamentares às ferramentas tecnológicas da internet;
· Subestimação pelos candidatos dessa ferramenta de campanha devido aos elevados índices de exclusão digital no Brasil;
· Ausência de incentivos e controles institucionais sobre o uso da internet pelos candidatos.
De todos estes motivos, devemos destacar este último. Nesse sentido, podemos encerrar este artigo sugerindo algumas melhorias na legislação, de molde a criar incentivos para o uso da internet pelos candidatos. A legislação que regulamentou o uso da internet é muito “liberal” e não estimula o uso deste recurso pelos candidatos. Sendo assim, sugerimos as seguintes medidas para estimular tal uso, colocando assim nas mãos do eleitor, especialmente do eleitor mais informado, uma poderosa ferramenta de controle de seu representante:
1) Obrigatoriedade do candidato ou político no exercício do mandato de notificar os T.R.Es sobre o uso dos web sites particulares e oficiais (i. e., terminados em .can) durante o período eleitoral e aquando do registro das candidaturas, sob pena de sanção (multa ou, mesmo, impugnação da candidatura);
2) Os T.R.Es poderia manter em suas home pages uma listagem com todos os candidatos que possuem web sites;
3) O TSE poderia elaborar um folheto orientador de construção de web sites e de uso da internet em campanhas eleitorais pelos candidatos, nos moldes dos já elaborados pela União Parlamentar Internacional para a construção de web sites parlamentares;
4) Os web sites dos candidatos poderiam ficar disponíveis mesmo após o período eleitoral. "
http://www.paranaeleitoral.gov.br/artigo_impresso.php?cod_texto=218&palavra_chave[]=Braga&e_ou=e
Paraná Eleitoral número 60  ( ABR/2006 )
Título: Internet, democracia e política num ano eleitoral
Autor: Sérgio Braga
Artigos em Portugues
 
Internet, democracia e política num ano eleitoral.

Andressa Silvério Terra França (mestranda em Sociologia, DECISO/UFPR)
Fernando Rafael Santos Martins (jornalista e pós-graduado em sociologia política/UFPR)
Sérgio Soares Braga (Professor de Ciência Política, DECISO/UFPR)

Resumo: Procuraremos nesse artigo fazer um balanço de algumas das principais teses existentes na literatura especializada sobre as relações entre Internet e política e, a partir do exame crítico de tais teses, abordar problemas referentes ao impacto da Internet no funcionamento da democracia representativa, bem como relativos ao uso que os representantes eleitos fazem dessa ferramenta para divulgar suas atividades e interagir com o cidadão comum. Chegamos à conclusão de que há uma acentuada desigualdade na maneira pela qual as instituições e os políticos individualmente considerados utilizam-se da Internet para divulgar suas atividades. Esse fato evidencia que muito esforço pode ser ainda feito para melhorar a utilização das ferramentas propiciadas pela Internet para o aperfeiçoamento dos graus de comunicação e interação entre elites dirigentes e o cidadão comum, nos diferentes níveis em que se organiza a representação política no Brasil. Por sua vez, a expectativa dos autores é a de que os resultados obtidos neste estudo possam contribuir para um uso mais eficiente e informado dos recursos propiciados pela Internet no período eleitoral que se aproxima, tanto por parte do eleitor quanto dos candidatos a cargos eletivos.

Introdução:

Na sua edição de 2 de abril de 2006, o jornal The New York Times publicou longo artigo ¾ amplamente reproduzido em alguns sites e portais de notícias brasileiros ¾ onde se afirma que, cada vez mais, a Internet tende a se constituir numa importante ferramenta de contato e interação dos políticos norte-americanos com seus eleitores. Segundo o prestigioso jornal, o uso sistemático das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) tende a produzir amplas mudanças em múltiplos aspectos da atividade política, tais como a forma como são organizadas as campanhas e a propaganda políticas, o tipo de interação entre candidato e opinião pública, a maneira como são formadas as preferências pelo eleitor, e até mesmo a forma de financiamento das campanhas eleitorais .
Observadores e especialistas consultados pelo jornal prevêem um efeito avassalador da Internet no próximos pleitos estadunidenses, especialmente nas eleições para o Congresso em 2006 e para a presidência da República em 2008, com o uso de novas mídias tais como web sites pessoais, listas de e-mails e blogs de políticos, substituindo progressivamente, com cada vez mais eficácia, antigas formas de organização das campanhas eleitorais, fundadas basicamente no contato físico do parlamentar com o eleitor e no uso de mídias tradicionais, tais como a televisão, publicações impressas e assim sucessivamente.
Não é necessário consultar o The New York Times para dar-se conta desse fato incontestável. A Internet invade cada vez mais o quotidiano do cidadão comum e qualquer observador minimamente informado e sensível aos acontecimentos do mundo que o cerca pode verificar, por si mesmo, inúmeros exemplos do impacto da Internet sobre a vida social quotidiana. Naturalmente, a atividade política e as instituições da democracia representativa não poderiam ficar imunes a tais efeitos e, mais cedo ou mais tarde, teriam também que sofrer os influxos das TICs.
O objetivo deste artigo é abordar algumas destas questões referentes ao uso da Internet no processo político contemporâneo, especialmente no funcionamento de suas instituições representativas, tomando como base de análise o estado do Paraná. O universo empírico do artigo será a pesquisa que empreendemos sobre o uso que os 158 parlamentares paranaenses atualmente no exercício do mandado (3 senadores; 30 deputados federais; 54 deputados estaduais; 34 vereadores de Curitiba; 18 vereadores de Londrina e 15 vereadores de Maringá) fazem da Internet para divulgar suas atividades e interagir com o cidadão comum e com o eventual eleitor.
Para abordar estes problemas, dividiremos o texto em três partes: 1) Inicialmente, faremos um balanço de algumas das principais teses existentes na literatura sobre as relações entre Internet e política, especialmente sobre os efeitos que o uso das (TICs) têm produzido nos sistemas políticos democráticos contemporâneos; 2) em seguida, abordaremos brevemente alguns aspectos jurídicos referentes ao uso que os candidatos a cargos eletivos, e também os políticos atualmente no exercício do mandato, podem fazer da Internet para divulgar seus trabalhos e suas propostas políticas; 3) por fim, examinaremos algumas evidências empíricas da pesquisa por nós realizada nos sites dos Legislativos brasileiros, bem como do uso que os políticos paranaenses atualmente no exercício do mandato fazem da Internet para divulgar suas atividades e interagir com a opinião pública. Para tanto, analisamos os web sites e enviamos questionários a 158 parlamentares do estado do Paraná, visando a avaliar os potenciais da Internet enquanto recurso eficaz para o aperfeiçoamento de nossas instituições representativas.


1) Internet, política e democracia: alguns balizamentos analíticos.

Como observamos acima, é mais ou menos evidente que a Internet, ao abrir canais de comunicação mais práticos e econômicos, tem modificado a forma como as pessoas se relacionam socialmente. A Política, como parte integrante do conjunto de relações sociais, também sofre influência destas novas tecnologias.
Com efeito, diversos autores têm procurado analisar os impactos que a web provoca e pode provocar sobre a democracia contemporânea. Alguns chegam a vislumbrar a emergência, por meio da Internet, de uma nova modalidade de democracia, a “democracia direta eletrônica”, sistema no qual os cidadãos se encontrariam em um ambiente virtual de deliberação sobre os temas de interesse comum: a Ágora Virtual.
Outros estudiosos, mais realistas, reconhecem que a Internet tem um grande potencial democratizante, mas sem chegar aos extremos de instaurar uma “democracia deliberativa direta” nas sociedades contemporâneas, e nem residiria aí necessariamente sua principal contribuição ao aperfeiçoamento do processo político. As TICs podem, de fato, aproximar elites dirigentes e cidadãos comuns, mas tal fenômeno ocorrerá dentro dos quadros do modelo democrático representativo parlamentar. Entretanto, como observado por analistas recentes (SORJ, 2006: p. 5), ainda são escassos estudos empiricamente orientados que busquem mensurar de forma mais fundamentada os reais impactos do uso da Internet no processo de tomada de decisões, de uma maneira geral, e no processo eleitoral, em particular.
Dada a diversidade de posições na literatura sobre o assunto, convém iniciar este texto com um mapeamento das principais posições existentes na bibliografia sobre a temática.

1.1) A Internet, a “Ágora virtual” e a “democracia deliberativa”.

Um amplo conjunto de pesquisadores vêem nas TICs a possibilidade de emergência de uma “democracia direta eletrônica” ou de uma “democracia deliberativa”, na qual todos ou pelo menos a maior parte dos cidadãos poderiam usar a Internet para deliberar sobre os temas públicos. Tal abordagem é influenciada, direta ou indiretamente, por uma corrente de pensamento inspirada na obra do filósofo alemão Jürgen Habermas, que preconiza a necessidade de as decisões políticas serem tomadas a partir de discussões com ampla participação, em detrimento do modelo de democracia representativa tradicional (MIGUEL, 2000).
CANDIDO (1997), por exemplo, afirma que os recursos de comunicação proporcionados pela Internet permitirão a criação de um espaço público deliberativo eletrônico ¾ a “Ágora Virtual” ¾, onde todos os cidadãos poderão se encontrar virtualmente para deliberar a respeito de assuntos públicos. Para este autor, a Internet levará à emergência de uma nova forma de democracia direta, preferível à atual democracia representativa. Os meios eletrônicos de comunicação libertariam a democracia da necessidade da representação ¾ uma exigência imposta pela extensão territorial dos Estados Modernos e pela impossibilidade de haver uma assembléia de todos os cidadãos em um mesmo espaço físico.
Pode-se observar que CANDIDO, ao valorizar o potencial que a Internet tem de propiciar a emergência de uma nova democracia eletrônica, relega a um segundo plano ou tende a subestimar as possibilidades de ampliação dos canais democráticos no modelo de democracia atual, a representativa.
FISHKIN (2002), de modo semelhante a CANDIDO, também acredita que as TICs podem reconfigurar a democracia por meio da ampliação de canais deliberativos. O autor chega inclusive a conceber um mecanismo ideal ao qual dá o nome de “Dia da Deliberação”: data na qual todos os cidadãos de uma nação participariam de discussões on-line para deliberar sobre um determinado assunto. Para FISHKIN, o “Dia da Deliberação” poderia promover o máximo de participação pública e o maior refinamento possível da decisão (por permitir uma ampla e esclarecida discussão). O autor ainda concebe outros possíveis mecanismos eletrônicos de consulta à opinião pública ¾ mais exeqüíveis no atual momento. No entanto, para todos esses mecanismos, há alguma limitação em comparação com o “Dia da Deliberação”: a participação popular pode não ser tão ampla (apenas quem tem interesse participa) ou o mecanismo não permite que a decisão tomada seja refinada por meio da discussão pública.
Ao conceber um mecanismo ideal que criaria uma democracia deliberativa eletrônica e ao mostrar as deficiências das outras formas de consulta eletrônica à opinião pública, o autor na prática faz a defesa da democracia direta e limita o potencial da Internet para o aperfeiçoamento do modelo representativo de democracia. A partir disso, pode-se extrair duas possíveis conclusões a respeito do que pensa FISHKIN sobre a possibilidade atual de a sociedade influir, por meio da Internet, em uma decisão política tomada nas instâncias representativas: a) a influência tenderá a não ser elevada, pois o sistema representativo não atua a partir da lógica de ser um espelho fiel da vontade popular mas sim a partir da lógica de ser um filtro dessa mesma vontade; b) a influência, mesmo que seja elevada, tenderá a ser deformada do ponto de vista democrático, pois não necessariamente representará a real expressão da vontade popular (só a parcela da população que tem acesso à Internet e que efetivamente envia e-mails aos parlamentares é que estaria representada).
Também podemos destacar o enfoque de EISENBERG (2002; 2003), que admite que a Internet produzirá impactos sobre a ação política e que poderá promover a ampliação da democratização nas sociedades contemporâneas, embora ele próprio considere precipitada a visão dos otimistas de que a web criará uma “Ágora Virtual” ou de que será a solução para os problemas da legitimidade da democracia moderna, especialmente de alguns países desenvolvidos, caracterizada pela apatia eleitoral e pelo desinteresse de segmentos consideráveis da população em relação à atividade política. O autor afirma que os impactos da Internet sobre a Política devem ser analisados a partir de dois ângulos diferenciados: a) o controle da Internet como mídia e; b) as características diferenciadas da Internet em relação a outros meios de comunicação (tais como TV, rádio e imprensa escrita).
Dentre as características específicas e potencialmente democratizantes da Internet que poderão ter mais impacto no funcionamento da democracia representativa e na formação da decisão de voto por parte do eleitor ¾ e, por conseguinte, do próprio processo eleitoral ¾, o autor destaca as seguintes:
· Alto poder de fixação da mensagem, o que permite que, em tese, todos possam acessar o conteúdo da mensagem e se lembrem dela. O acesso à informação, vale destacar, sempre foi fator crucial na luta política e na formação da decisão de voto por parte do eleitor.
· Alta capacidade de promover a reprodução da mensagem, tanto por parte do emissor quanto do receptor, o que permite uma rápida disseminação de seu conteúdo. Outra vantagem é que, devido a essa característica, a mensagem pode ser enviada a um número muito grande de pessoas. “A reprodutividade da mensagem proferida confere ao emissor uma maior capacidade de difundir sua mensagem, pois pode proferi-la simultaneamente a muitos receptores.” (EISENBERG, 2003, p.501). Assim, em tese, cada cidadão conectado a um computador pode se tornar um produtor e disseminador de informações, libertando-se da atuais limitações impostas pela mídia convencional, pela qual ele é apenas um receptor passivo de informações.
· Alto distanciamento espaço-temporal, possibilitando que as mensagens sejam enviadas e recebidas a qualquer momento e que cheguem a lugares onde o emissor não poderia estar fisicamente. O distanciamento espacial, assim, promove uma ampliação do poder de participação política do cidadão. Também propicia a desterritorialização das relações políticas. Redes de cidadãos hoje podem se formar para além do espaço territorial do Estado ou de suas subunidades administrativas.
· Alta exigência de competência cognitiva para acessá-la. Ou seja, para poder usar os benefícios da Internet é preciso ter conhecimento técnico (de informática) para acessá-la. Quem não o tem, torna-se um excluído. Essa característica da Internet, do ponto de vista político, é uma limitação do potencial democratizante dessa mídia.
· Alta interatividade entre receptor e emissor, permitindo ao receptor abrir um canal de diálogo ou discussão com o emissor, o que não era possível (ou, ao menos, era muito difícil) por meio das mídias tradicionais, como a televisão, o rádio e a imprensa escrita.
A potencialidade de uma alta capacidade de interação propiciada pela Internet, aliás, é destacada por EISENBERG como a principal característica democratizante de tal ferramenta tecnológica, embora o autor também sublinhe a existência de alguns riscos e aspectos negativos no uso da Internet, do ponto de vista da emergência de uma cidadania autenticamente “republicana”:
“[...] são os mecanismos de interação mediada que a Internet possibilita – listas de discussão e chat-rooms – que têm (e podem vir a ter) um impacto mais profundo sobre a política. Por quê? Porque possibilitam a ampliação dos fóruns a públicos de debate e discussão no sentido habermasiano da discussão da ampliação da esfera pública. (...) [Entretanto] Como ocorreu com todos os meios de comunicação que antecederam à Internet, o que existe é uma batalha política em curso pela definição dos padrões de apropriação do meio. E ainda não sabemos se será a soberania do consumidor ou a soberania do cidadão que será privilegiada nesse processo” (EINSENBERG, 2003, p. 508).

Outros colaboradores da coletânea organizada por Eisenberg, tais como GUIDI (2002) também crêem que “[...] precisamos de redes cívicas e comunidades conectadas, que são a base real da ‘teledemocracia’ [denominação usada por alguns autores para descrever democracia eletrônica]”. (p.180). Entretanto a autora, diferentemente dos outros pensadores citados acima, dá um status diferenciado ao e-mail. Para ela, o correio eletrônico constitui-se em um importante fator para consolidar a participação política da sociedade. GUIDI observa ainda que o cerne do potencial democratizante dos novos meios de comunicação eletrônicos é a capacidade de interação entre os cidadãos ¾ característica presente no e-mail.
No entanto, GUIDI percebe que atualmente a interatividade na Internet é pouco explorada. “O modelo que prevalece é aquele baseado na ‘difusão’ (divulgação de informação de um para muitos), através do qual a Internet e seu paradigma de rede vêm sendo subutilizados. A interatividade [...] tem neste modelo um papel muito limitado em relação ao papel do meio.” (GUIDI, p.166). Como conseqüência, observa a autora, as experiências de participação eletrônica dos cidadãos no processo de tomada de decisões políticas ainda são raras ao redor do mundo.

1.2) Em direção a uma avaliação realista e empiricamente fundamentada dos impactos da Internet sobre a democracia representativa.

Para os fins deste estudo, destacamos as contribuições da cientista política de Harvard, Pippa Norris . NORRIS (2000; 2001) rejeita a idéia tanto de autores “cyberotimistas”, segundo os quais a Internet levará a uma democracia direta virtual ou “deliberativa”, como dos “cyberpessimistas”, que crêem que nada será mudado com a emergência da web, baseados no argumento de que as TICs apenas irão reforçar os padrões de comunicação (e de poder) existentes atualmente.
A autora desenvolve o argumento de que há duas principais influências da Internet sobre as democracias: ampliar os canais de informação pública acessíveis à população e dinamizar a comunicação da sociedade com as instituições políticas representativas. Cidadãos e grupos de interesse poderão participar mais ativamente do processo político em virtude das facilidades de comunicação, partidos políticos terão à frente novas condições para a competição, a sociedade civil poderá organizar mobilizações de modo mais fácil e a transparência do poder público será ampliada, devido à difusão de informações públicas. Esse processo deve criar um subsistema político virtual que fortaleceria as instituições políticas centrais e os atores políticos intermediários (cidadãos esclarecidos, imprensa, movimentos sociais, grupos de interesse, partidos políticos, etc.), sobretudo nas democracias em processo de consolidação. Tal processo pode ser representado pelo seguinte diagrama:

(Fonte: Norris, 2000)

Para o presente texto, interessam em particular os argumentos de NORRIS a respeito dos impactos da Internet sobre a democracia no que diz respeito à ampliação da comunicação entre a sociedade e o poder público. “A comunicação é essencial para que os representantes eleitos reflitam a visão de seus eleitores e dediquem-se, em nome deles, a suas queixas administrativas particulares.” (NORRIS, 2000: p. 6). Nesse sentido, a Internet pode promover uma interação maior entre o cidadão e o político e, conseqüentemente, uma maior representação dos anseios da sociedade no processo decisório. No entanto, deve-se ressaltar, o e-mail não substituirá os outros meios de comunicação e de interação já existentes, embora apresente vantagens em relação a eles. O correio eletrônico apenas se somará às formas tradicionais de comunicação.

“A esse respeito, o e-mail via Internet é somente um mecanismo suplementar às comunicações tradicionais, tais como cartas e telefonemas, petições organizadas, consultas eleitorais, e comícios e encontros locais. No entanto, a vantagem do e-mail para os remetentes baseia-se na redução de tempo, custo mínimo de transmissão, na habilidade de anexar documentação completa e links e no potencial de distribuição simultânea para múltiplos destinatários.” (NORRIS, 2000: p. 6).

É necessário ainda ilustrar com evidências empíricas a influência que a Internet pode efetivamente vir a desempenhar na criação de novas possibilidades de interação entre sociedade e os representantes eleitos, para evitar considerações excessivamente abstratas que se aproximam perigosamente dos textos de ficção científica. Dentro dessa perspectiva, NORRIS demonstra que existe uma grande negligência da parte de parlamentares quanto ao uso da Internet como ferramenta de comunicação: em 2000, apenas um quarto dos parlamentares britânicos listavam no site do parlamento um endereço de e-mail pelo qual o eleitor poderia contactá-los; e apenas 12% tinham web site pessoal. Mesmo no Congresso norte-americano, estudos indicam que muitos parlamentares não usam o e-mail para responder a seus eleitores (CARTER, 1999, citado por NORRIS, p.11). Tem-se, assim, uma nova evidência de que a Internet como mídia interativa, ao menos no campo político, tem sérias deficiências, conforme foi observado também por CASTELLS (2003), como veremos a seguir.
Outras evidências significativas podem ser extraídas dos estudos NORRIS, que comparou os sites dos parlamentos de 98 países a partir da existência ou inexistência, nas home-pages, de ferramentas de divulgação de informações públicas e de interação do cidadão com o próprio parlamento. A autora reuniu as home-pages parlamentares em 8 grandes grupos, que representam 8 subcontinentes do planeta. O conjunto agregado dos sites de cada macrorregião mundial então foi classificado em um ranking a partir de duas variáveis: Índice de Informação disponível nos web sites parlamentares e Índice de Comunicação (que mede a possibilidade de interação entre o cidadão com o parlamento).
A América do Sul, tanto no índice informacional quando no índice de interatividade, fica com a quarta colocação, atrás, respectivamente, da América do Norte, Europa Ocidental e Escandinávia. Embora a classificação de NORRIS não discrimine exatamente qual é a posição do site da Câmara dos Deputados brasileira em relação a outros parlamentos, ela dá indicativos, a partir da classificação da América do Sul, de que o portal na Internet do parlamento nacional pode estar devendo a web sites de outros países mais desenvolvidos no que diz respeito às ferramentas interativas. Na conclusão da autora, existe uma relação direta entre o grau de democratização de um país e a oferta, a partir dos parlamentos, de informação e de mecanismos de participação por meio da web.
Seguindo a linha de investigação aberta por Pippa Norris, BRAGA (2005) procurou mensurar o “grau de informatização” e a existência de ferramentas de informação e comunicação disponíveis nos sites da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e das Assembléias Legislativas dos estados brasileiros, a partir de sete dimensões básicas que estruturam o conteúdo dos sites legislativos: (i) Navegabilidade; (ii) Centros Decisórios; (iii) Dados sobre os Parlamentares; (iv) Processo Decisório; (v) Relação com o Público; (vi) Administração (vii) Comunicação horizontal com órgãos da administração pública/Outros. Para tanto, o autor construiu uma planilha contendo cerca de 180 itens presentes em web sites parlamentares e elaborou uma metodologia de avaliação destes sites. Entretanto, não é o objetivo do autor mensurar a interatividade entre os órgãos legislativos e o cidadão comum.
CUNHA, CORRÊA e DUCLÓS (2005), porém, deram um passo nesse sentido e procuraram medir o grau de uso das ferramentas eletrônicas de comunicação por políticos brasileiros (no caso, vereadores de municípios com mais 600 mil habitantes). O objetivo não era, porém, mensurar a interatividade do vereador com o cidadão, mas sim do vereador com a prefeitura municipal. A conclusão dos autores é de que praticamente não há comunicação eletrônica (troca de e-mails) entre vereadores e membros do Executivo municipal, embora 87,5% das Câmaras avaliadas disponibilizassem e-mails aos parlamentares.
A partir desse dado, há indicativos de que, ao menos no nível do Legislativo municipal, o parlamentar faz pouco uso do e-mail. Isso fornece algumas pistas de qual pode ser o comportamento dos políticos brasileiros relação à utilização dessa ferramenta de comunicação (já que grande parte deles inicia a vida política como vereador).
A pesquisa de CUNHA, CORRÊA e DUCLÓS ainda traz outra importante contribuição para este trabalho: o baixo índice de respostas aos questionários enviados por e-mail. Os autores, para conseguirem elaborar o trabalho, tiveram que mudar o mecanismo de coleta de informações: do e-mail passou-se a utilizar o telefone (com o qual conseguiram resposta de 16 dos 24 municípios selecionados). Desse fato, extrai-se outro importante indicativo para esta pesquisa: o Legislativo (municipal, no caso da pesquisa dos três autores, mas que também poderia ser o federal) não interage de forma adequada com o cidadão que lhe envia mensagens eletrônicas ou, ao menos, com o pesquisador que usa esse meio para fazer seu estudo. Esse indicativo, por sua vez, pode significar duas coisas: o grau de interatividade do Legislativo é baixo e, por conseqüência, a influência do e-mail como instrumento de pressão também o é; e existe o risco de que a taxa de respostas do questionário de nossa pesquisa seja baixo ¾ fato que acabou sendo verificado também em nossa pesquisa sobre os parlamentares paranaenses.
Por outro lado, estudos recentes têm examinado o impacto da Internet em geral, e do e-mail em particular, em decisões políticas específicas tomadas pelos parlamentares. É o caso, por exemplo, de MARTINS (2005), que estuda a influência do e-mail sobre as decisões dos parlamentares brasileiros a partir do estudo do caso do projeto de lei da Biossegurança. Baseado em amplo estudo empírico, o autor constata a fraca influência do e-mail na decisão de voto dos parlamentares brasileiros, o baixo grau de interatividade e a negligência de boa parte dos deputados em relação ao uso da Internet. Segundo o autor:

“Além da baixa interatividade, os dados da pesquisa ainda comprovam que os deputados, em sua maioria, negligenciam o potencial de difusão de informações pela Internet. Apenas 27% têm site político pessoal e (...) mesmo aqueles que têm home page própria, de um modo geral não exploram a interatividade que a Internet propicia” (MARTINS, 2005: p. 80)

1.3) Internet, crise de legitimidade e os problemas do “excesso de democracia”.

Dentre os autores que refletiram de maneira mais sistemática e empiricamente fundamentada sobre os impactos da Internet na atividade política, podemos destacar ainda CASTELLS (2003) o qual afirma que as novas formas de comunicação que a Internet proporciona vão afetar profundamente a sociedade e suas práticas (inclusive políticas). O autor reconhece que as redes cívicas virtuais de cidadãos poderão ter um papel social e político crucial. Porém, CASTELLS prefere ser cauteloso com relação ao peso que as redes cívicas de cidadãos, que se reuniriam virtualmente para debater e agir politicamente, possam vir a ter no futuro da Internet. As comunidades on-line são em geral efêmeras e as evidências mostram que não há razão para acreditar que a Internet será “uma fonte de comunitarismo renovado”. (CASTELLS, Op. cit., p.100). Além disso, as ferramentas propiciadas pela web para a emergência de comunidades ou redes virtuais de cidadãos engajados politicamente (tal como as salas de chat e os fóruns virtuais), no contexto atual da Internet, têm uso apenas secundário. O e-mail, porém, é a principal ferramenta da Internet.

“Antes de mais nada, os usos da Internet são, esmagadoramente, instrumentais, e estritamente ligados ao trabalho, à família e à vida cotidiana. O e-mail representa mais de 85% do uso da Internet, e a maior parte desse volume se relaciona a objetivos de trabalho, a tarefas específicas e a manutenção de contato com a família e os amigos em tempo real [...].Embora as salas de chat, os news groups e as conferências para múltiplos fins fossem significativos para os primeiros usuários, sua importância quantitativa e qualitativa definham com a propagação da Internet” (CASTELLS, 2003: p. 99).

CASTELLS, aliás, não se furta de avaliar os atuais impactos da Internet sobre o processo político e sobre o potencial democratizante da web. Suas conclusões não são animadoras:

“Esperava-se que a Internet fosse um instrumento ideal para promover a democracia ¾ e ainda se espera. Como dá fácil acesso à informação política, permite aos cidadãos ser quase tão bem informados como seus líderes. Com boa vontade do governo, todos os registros públicos, bem como um amplo espectro de informação não-sigilosa, poderia ser disponibilizado on-line. A interatividade torna possível aos cidadãos solicitar informação, expressar opiniões e pedir respostas pessoais a seus representantes. Em vez de o governo vigiar as pessoas, as pessoas poderiam estar vigiando o seu governo – o que é um direito delas, já que teoricamente o povo é soberano. Entretanto, a maioria dos estudos e relatórios descreve um quadro melancólico – com a possível exceção das democracias escandinavas.” (CASTELLS, 2003: p. 128).

Um dos problemas observados pelo autor é o do subaproveitamento, por parte do Estado e das instituições políticas, do potencial de interatividade proporcionado pela Internet. O poder público usa a web sobretudo “[...] como um quadro de avisos” (CASTELLS, p.128) . Ou seja, a Internet é usada somente para divulgar informações institucionais. Os partidos e os políticos também têm utilizado a Internet para divulgar suas ações, mas ainda preferem as mídias tradicionais (rádio, televisão e jornais) por julgarem estas mídias mais eficazes para a comunicação com o cidadão comum.
Especificamente no caso dos parlamentares, a situação não é diferente, aponta CASTELLS. Os e-mails enviados por cidadãos são negligenciados e práticas tradicionais de fazer política são persistentes, embora o uso da Internet esteja cada vez mais disseminado entre os representantes eleitos.

“Parlamentares costumam ter seus web sites, mas não lhes dão excessiva atenção, seja no seu design ou em suas respostas às solicitações dos cidadãos. Suas respostas são elaboradas por membros de sua equipe, [e] em geral pouco diferem da que costumam dar por cartas por escrito. De fato, em 2000, em alguns web sites de parlamentares britânicos os cidadãos eram encorajados a escrever pelo correio regular e [eram] advertidos de que as respostas poderiam demorar pelo menos uma semana. No Reino Unido, segundo um levantamento informal dos web sites de 97 parlamentares feito em novembro de 2000 pelo Institute of Economic Affairs, o design e a manutenção eram extremamente pobres e indicavam considerável negligência.
Um estudo internacional interessante e bem documentado do uso da Internet nos parlamentos dos países da OECD comprovou o rápido aumento do uso da Internet, tanto pelo parlamento quanto em sua relação com o eleitorado, mas mostrou também, em geral, uma grande persistência de práticas políticas tradicionais [...]” . (CASTELLS, Op. Cit.: p.128).

Outro problema, segundo o autor, é que a sociedade também não tem explorado os potenciais da Internet. O quadro final traçado por CASTELLS é pessimista.

“Num mundo de crise generalizada de legitimidade política, e de indiferença dos cidadãos por seus representados, poucos se apropriam do canal de comunicação interativo, multidirecional, fornecido pela Internet, de ambos os lados da conexão. Os políticos e suas instituições divulgam suas declarações e respondem burocraticamente ¾ exceto em época de eleição. Os cidadãos não vêem muito sentido em gastar energia em indagações políticas, exceto quando atingidos por um evento que desperta sua indignação ou afeta seus interesses pessoais. A Internet não pode fornecer um conserto tecnológico para a crise da democracia. (Idem: p. 129).

MITCHELL (1999) fornece algumas pistas de quais poderiam ser as razões desse quadro melancólico traçado por CASTELLS. Segundo MITCHELL, a Internet tem uma limitação paradoxal como instrumento de relacionamento social e político: seus mecanismos de comunicação eletrônicos (dentre eles o e-mail), ao ampliar as redes de relações das pessoas, diminuem o tempo que cada um tem para dedicar ao outro . A Internet, assim, cria um déficit de atenção que precisa ser combatido. “Es obvio, por tanto, que la atención se convierte en un recurso escaso y es esencial un mecanismo de intervención para gestionarla si no queremos vernos abrumados por la magnitude de la escala a que está empezando a funcionar la sociedad global regida por la electrónica.” (MITCHELL, p.95-96).
Dessa afirmação, é possível concluir que os deputados, caso recebam muitos e-mails em suas caixas-postais eletrônicas, poderão ter dificuldades em responder a todos, a não ser que tenham um serviço de gestão da informação eficiente .
CAIRNCROSS (1997) também alerta que a ampliação do potencial de comunicação proporcionada pelo e-mail traz um sério problema para os políticos: a quantidade de mensagens eletrônicas recebidas (na forma de spams ou não) pode ser muito alta e, assim, tornar-se difícil de ser gerenciada. Para o autor, a quantidade de e-mails recebidos pelos políticos também pode levá-los a desvalorizarem essa forma de comunicação. Segundo CAIRNCROSS (1997: p. 262), alguns políticos norte-americanos estimam que 80% dos e-mails recebidos vêm de cidadãos que não moram no estado ou no distrito que eles representam.
Apesar das limitações da Internet e do e-mail em particular, CAIRNCROSS mostra-se otimista quanto à exploração política da web e do correio eletrônico por parte dos cidadãos. Para ela, a revolução das comunicações vai promover um reequilíbrio do poder político entre os cidadãos e o poder público, quase que certamente para melhor. As pessoas poderão comunicar suas opiniões aos dirigentes políticos de uma forma muito mais direta, o que fará com que eles tornem-se mais sensíveis (e talvez mais responsivos) à opinião pública, sobretudo nas democracias estabelecidas. Além disso, os cidadãos poderão se tornar mais bem informados do ponto de vista político por causa das amplas possibilidades de divulgação de informações de interesse público por meio da Internet.
O e-mail e os web sites pessoais, em particular, reduzem os custos da propaganda política, pois possibilitam a distribuição de muitas cópias de uma mesma mensagem de modo praticamente gratuito e a uma velocidade muito maior do que pelos meios de comunicação tradicionais. “Pressionar políticos é [uma prática] universal nas democracias, mas o e-mail a torna muito mais rápida para eleitores enraivecidos [sic] enviarem, em um impulso, suas opiniões aos políticos. Uma carta ou fax, comparativamente, leva tempo e preparação: num click de um mouse, um lobista pode enviar uma mensagem para cada membro do Congresso.” (CAIRNCROSS, 1997: p.261).

1.4) A visão da imprensa sobre o impacto da Internet nas instituições democráticas.

Levantamentos não-acadêmicos, realizados pela imprensa, apontam na mesma direção: a existência de ferramentas eletrônicas de comunicação do cidadão com o poder público não significa necessariamente interatividade entre a sociedade e o Estado. Reportagem realizada pelo jornal Gazeta do Povo encaminhou, por e-mail, a 10 órgãos federais brasileiros (incluindo a Câmara dos Deputados e o Senado) pedidos de informações específicas (SANTOS, 2005). Apenas dois responderam satisfatoriamente. Seis órgãos não deram resposta (incluindo a Câmara e o Senado). Outros dois apresentaram respostas automáticas mas sem a informação pedida.
Outra avaliação da interatividade dos sites estatais brasileiros foi empreendida pelo jornal Folha de S. Paulo (MISKEVIS, 2003). Foi testado, por meio do envio de e-mails a 112 sites de várias instâncias do poder público , o grau de interatividade dessas home-pages. Não deram nenhuma resposta à mensagem encaminhada pelo jornal 73 sites.
Pela imprensa também obtiveram-se as únicas evidências diretas da influência dos e-mails enviados por cidadãos sobre uma decisão parlamentar ¾ no caso, sobre a proposta de reajuste de 67% dos salários dos deputados e senadores brasileiros, iniciativa de autoria do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, apresentada em fevereiro de 2005 (BRAGON e ZANINI, 2005). O projeto, com forte rejeição popular, motivou milhares de cidadãos a enviarem mensagens de repúdio aos e-mails dos parlamentares, o que fez com que as caixas de correspondência eletrônicas dos deputados ficassem lotadas. Alguns deputados relataram ter recebido até 800 e-mails por dia criticando a proposta de reajuste salarial (COLON, 2005). Como se sabe, o projeto acabou sendo arquivado diante da recusa do presidente do Senado, Renan Calheiros, em assinar um ato administrativo que elevaria os salários sem a necessidade de votação em plenário ¾ já que a proposta já não contava com o apoio dos deputados e senadores em virtude da forte pressão popular.
Obviamente, a profusão de e-mails enviados aos parlamentares contribuiu para o fracasso da proposta de reajuste salarial. Mas não é possível, a partir das informações da imprensa, mensurar o grau exato de influência que as mensagens eletrônicas tiveram sobre a decisão final de arquivamento do projeto. Os e-mails, deve-se ressaltar, foram apenas uma parte da pressão exercida, que ainda se verificou por intermédio de diversas outras fontes: governadores e prefeitos, preocupados com as contas estaduais e municipais, editoriais de jornais, artigos na imprensa, mensagens de cidadãos às seções de cartas de leitores de jornais, etc. Assim, deve-se considerar que a proposta de reajuste salarial foi algo que mexeu com a opinião pública de uma forma muito forte e incisiva em um único sentido: o de repudiar o projeto. Disso, ainda pode-se extrair outra suposição: o e-mail tenderá a ter um peso importante em uma decisão legislativa se houver uma posição expressivamente majoritária da opinião pública (como um todo) a respeito de determinada matéria e se as mensagens eletrônicas enviadas aos parlamentares forem em número tão elevado ao ponto de incomodarem os deputados.
Mais recentemente, apareceram em jornais paranaenses artigos abordando o uso da Internet por vários atores políticos no estado do Paraná (NEVES, 2006; BRAGA, 2006, BRAGA & FRANÇA, 2006a; 2006b). Todas estas evidências ilustram que o uso da Internet pelos políticos tende a se constituir num ponto de atenção cada vez maior por parte da opinião pública e de analistas especializados.

1.5) O uso da Internet nas eleições e campanhas eleitorais.

Por fim, devemos mencionar a existência de uma bibliografia crescente, especialmente nos EUA, sobre o uso da Internet nas campanhas eleitorais . No Brasil, de nosso conhecimento ainda são poucos os estudos dedicados especificamente a analisar a influência da Internet na organização dos pleitos eleitorais, destacando-se a esse respeito os estudos de DICTSON & RAY (2001) e o recente trabalho de SORJ (2006), sobre os impactos da Internet no referendo sobre o desarmamento, ocorrido em 23 de outubro de 2005. Em relação a esse último texto, seu argumento central é o de que “a expectativa otimista referente ao potencial democratizante das TICs, até agora predominante na bibliografia sobre este assunto, expressa uma projeção especulativa que deve ser confrontada com experiências concretas” (p. 1). No caso específico do referendo sobre o desarmamento, a investigação do autor chega à conclusão de que a Internet foi utilizada de maneira deficiente e desigual pelas diferentes forças em pugna (“Sim” e “Não”), tornando-se um espaço “colonizado por indivíduos e grupos muitas vezes vinculados ao poder econômico e/ou ao marketing político, que se apropriaram da linguagem da Internet e, sob o manto do anonimato, utilizaram este instrumento sem estabelecer compromissos com os valores cívicos da convivência democrática” (Op. cit., p. 2), contribuindo assim para o esvaziamento da qualidade do debate público travado sobre a temática.
Entretanto, como pretendemos abordar o tema do impacto da Internet sobre as eleições em outro artigo, não dialogaremos com essa literatura aqui, dado que o foco de nosso texto são trabalhos que examinam o papel das TICs no funcionamento dos órgãos parlamentares, especialmente no desempenho das funções de comunicação e informação entre elites dirigentes e o cidadão comum.

2) Aspectos jurídico-políticos do uso da Internet em campanhas eleitorais.


Antes de examinarmos esses problemas, no entanto, convém abordar brevemente alguns aspectos jurídicos da questão, especificamente relacionados ao enquadramento normativo do uso da Internet em campanhas eleitorais. Visa-se, assim, informar o leitor, de maneira sintética, sobre o emprego que pode ser feito da Internet, especialmente pelos candidatos a cargos eletivos.
Artigos sobre o assunto publicados por especialistas chamam a atenção para a inexistência de legislação específica sobre a temática (ALMEIDA, 2002) e/ou para a permanência de lacunas e incertezas que tenderão a ser dirimidas em casos concretos através das decisões dos Tribunais Eleitorais (FERREIRA, 2006) . As normas referentes à questão estão dispersas pelo conjunto de leis e resoluções que regulamentam o processo eleitoral de uma maneira geral, assim como pela jurisprudência firmada pelas decisões dos Tribunais Eleitorais. Remetemos o leitor para os artigos citados, onde são explicadas diversas regulamentações do TSE referentes ao uso de “home pages”, salas de bate-papo (“chats”), e-mail, dentre outros recursos de uso corrente na Internet.
Dentre as informações relevantes contidas nos textos, podemos destacar a permissão legal de manutenção de home page na Internet pelos políticos e potenciais candidatos, desde que não haja pedido explícito de voto ou propaganda eleitoral ostensiva, assim como a jusrisprudência firmada no sentido de não caracterizar como propaganda irregular aquelas formas de comunicação que dependam de ato de vontade do internauta, tais como a participação de salas de bate-papo, “orkut” e congêneres. Entretanto, em nenhuma das mídias abrangidas pela Internet é permitida a apresentação do candidato com o objetivo ostensivo ou dissimulado de pedir votos, antes do prazo legal estipulado em lei.
No tocante aos estatutos normativos mais recentes, destaca-se a Resolução nº 22.158, de 06 de março de 2006, que dispõe sobre propaganda eleitoral e as condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral nas eleições. Enquanto o texto original da Lei Eleitoral 9.504, de 30 de setembro de 1997, continha apenas duas referências expressas à Internet (artigo 26, XV; Art. 45, § 3º) o texto da citada Resolução contém ao todo 11 menções ao vocábulo Internet, sendo as seguintes as principais recomendações contidas no documento referentes ao uso desta mídia:
· É vedado aos postulantes a cargos eletivos o uso da Internet para a realização de propaganda intrapartidária com vistas à indicação de seu nome nas convenções dos partidos, num prazo maior do que 15 dias antes do processo de escolha dos candidatos (§ 1, Art. 1º);
· Não caracterizará propaganda extemporânea a manutenção de página na Internet, desde que nela não haja pedido de votos, menção ao número do candidato ou ao seu partido, ou qualquer outra referência expressa à eleição (§3º, Art. 1º);
· Será vedada, desde 48 horas antes até 24 horas depois da eleição, a veiculação de qualquer propaganda política na Internet, assim como outras mídias e veículos de comunicação (Art. 2º, Cap. 1);
· Não será permitido nenhum tipo de propaganda eleitoral em páginas de provedores à Internet, em nenhum período (Art. 5º, Cap. II, Das propagandas em geral);
· Aplicam-se às páginas mantidas pelas empresas de comunicação social e às demais redes destinadas à prestação de serviços de telecomunicações (inclusive provedores de Internet), as restrições constantes no Art. 17 referentes à tentativas de trucagem, manipulação eleitoral e propaganda subliminar (§4º, art. 17);
· Será vedado a partir de 1º de agosto a empresas de comunicação social transmitir na Internet programa apresentado ou comentado por candidato escolhido em convenção (§2º, Art. 18);
· Aplicam-se aos debates transmitidos pela Internet as regras referentes à transmissão de debates entre os candidatos (Art. 20);
· Os candidatos poderão manter páginas na Internet com a terminação can.br como mecanismo de propaganda eleitoral, devendo o candidato providenciar o cadastro do respectivo domínio no órgão gestor da Internet no Brasil, segundo especificações estipuladas pelo mesmo (Art. 73);
· Não será admitido nenhum tipo de propaganda eleitoral em páginas provedoras de acesso à Internet, em nenhum período (Art. 74) .
Em suma: a Internet vem obtendo um espaço cada vez maior na legislação eleitoral, embora não tenha sido ainda objeto de normatização específica, estando sujeita de uma maneira geral às mesmas regras que regulam as demais mídias, fato que pode abrir espaço para algumas controvérsias jurídicas no próximo pleito.
Uma evidência dessa crescente importância da Internet nas decisões dos Tribunais, é o elevado número de julgados (Acórdãos, Resoluções e Decisões sem Resolução) tomadas sobre o assunto pelos Tribunais Eleitorais, que já atingem o significativo número de 408 deliberações, que formam a Jurisprudência sobre o assunto, conforme pode ser visualizado pelo gráfico abaixo:


Fonte: Pesquisa com o termo de busca “Internet” na seção de Jurisprudência do TSE,
realizada em 24 de abril de 2006: http://www.tse.gov.br/servicos/jurisprudencia/

Os pontos mais específicos no tocante ao uso da Internet referem-se à manutenção de web sites pessoais, e ao uso de e-mails e outros instrumentos da web (tais como Orkut, listas de discussão e blogs), para a veiculação de propaganda. As decisões dos tribunais a respeito do uso dessas mídias vão no sentido de entender que os candidatos e parlamentares de posse de mandato legislativo poderão manter site na Internet, assim como enviar e-mails para as respectivas “listas” e outras mensagens, desde que isso não se configure especificamente como propaganda eleitoral e como pedido de voto, antes do início das campanhas eleitorais em 06 de julho de 2006 .
Após o início da campanha eleitoral, de acordo com o artigo 73 do texto da Resolução 22.158, os candidatos poderão fazer uso da Internet para propaganda política, tendo direito a regulamentar página específica perante a Justiça Eleitoral. O candidato interessado deverá providenciar o cadastro do respectivo endereço eletrônico no órgão gestor da Internet Brasil, responsável pela distribuição e pelo registro de domínios (www.registro.br), observando a seguinte especificação: http://www.nomedocandidatonumerodocandidato.can.br, em que “nomedocandidato” deverá corresponder ao nome indicado para constar da urna eletrônica e “numerodocandidato” deverá corresponder ao número com o qual concorre. O registro do domínio é isento de taxa, ficando a cargo do candidato as despesas com criação, hospedagem e manutenção da página. Observe-se que os domínios com a terminação “can.br” serão automaticamente cancelados após a votação em primeiro turno, salvo os pertinentes a candidatos que estejam concorrendo em segundo turno, que serão cancelados após essa votação.
A utilização do domínio “can.br” destina-se apenas para o pedido de votos durante o período da campanha eleitoral, embora não haja obrigatoriedade do uso de tal domínio para a realização da campanha. O ponto de maior dúvida é: os candidatos poderão utilizar-se de web sites pessoais não terminados em can.br e outros recursos fora destes domínios para pedir votos? Segundo a jurisprudência do TSE e os documentos melhor fundamentados sobre o assunto, a resposta à pergunta é positiva, tendo os candidatos a opção de fazer campanha em seus web sites pessoais, desde que o façam durante o período eleitoral e que tal uso não desvirtue os princípios da igualdade entre os candidatos na corrida eleitoral que devem orientar os organização das campanhas, especialmente no tocante aos prazos para divulgação de pesquisas eleitorais . Entretanto, como afirma uma especialista no assunto:

“Permanecem dúvidas sobre a possibilidade de contratação de links patrocinados em sites de busca, da participação de candidatos em salas de conversação, bem como o envio de propaganda eleitoral através de mensagem eletrônica não solicitada. Nesse último tópico cabe ainda analisar a licitude do uso de listas de endereços eletrônicos livremente comercializadas na rede e o emprego de endereços eletrônicos falsos ou inválidos de emissores, que inviabiliza o descredenciamento por parte do receptor da mensagem” (ALMEIDA, 2006).

Isto posto, podemos voltar ao tema principal deste artigo que é o do impacto da Internet sobre as instituições representativas e o uso que os órgãos legislativos e os parlamentares paranaenses têm feito da Internet para interagir com a população e com o potencial eleitor.

3) O uso da Internet pelos políticos paranaenses: evidências empíricas.

Tendo em vista as considerações anteriores, podemos empreender um breve exame do uso que os órgãos parlamentares e os políticos paranaenses têm feito da Internet. A base empírica deste texto é a pesquisa que empreendemos em 29 sites dos órgãos legislativos (Senado Federal, Câmara dos Deputados e as 27 Assembléias e Câmaras Legislativas) no primeiro semestre de 2005. Além disso, ela abrange a enquete sobre o uso que fazem da Internet 158 parlamentares pesquisados.

3.1) Os sites legislativos.

No tocante ao uso que os órgãos legislativos fazem da Internet, em pesquisa que empreendemos no início de 2005, procuramos analisar os sites de 29 órgãos parlamentares brasileiros, nas suas seguintes dimensões relevantes: (i) Navegabilidade (Nav); (ii) Centros Decisórios (CD); (iii) Dados sobre os Parlamentares (Par); (iv) Processo Decisório (PD); (v) Relação com o Público (RP); (vi) Administração (Adm); (vii) Comunicação horizontal com órgãos da administração pública (Outros). Aplicando a metodologia que criamos para mensurar o “grau de informatização” dos sítios, chegamos aos seguintes resultados, que podem ser sumarizados na seguinte tabela:


TABELA 1: GRAU DE INFORMATIZAÇÃO DOS LEGISLATIVOS BRASILEIROS (POR REGIÃO E POR DIMENSÃO)
Nav CD Par PD RP Adm Outros Média (Região)
Governo Federal 90,0 93,3 76,7 97,5 74,0 66,3 77,5 82,2
Sudeste 42,5 66,2 56,7 56,9 40,2 43,5 64,5 52,9
Sul 43,3 62,2 60,0 49,9 38,7 44,2 57,3 50,8
Centro-Oeste 40,0 27,2 42,9 22,5 14,5 8,8 27,5 26,2
Nordeste 29,4 26,6 34,1 22,0 11,8 8,3 40,0 24,6
Norte 27,9 20,2 33,8 21,6 7,0 7,1 18,0 19,4
Média (Item) 45,5 49,3 50,7 45,1 31,0 29,7 47,5 42,7
(Fonte: Braga, 2005)

A primeira conclusão substantiva a que chegamos em nossa investigação, é a constatação de uma acentuada desigualdade regional entre os diferentes órgãos legislativos. Enquanto no governo federal (portais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal), obtemos uma média de 82,2 pontos, no Norte do país a média obtida pelas sete dimensões analisadas foi de 19,4. Ou seja: analisando os dados em termos agregados, verificamos que há uma acentuada correlação entre a informatização dos órgãos legislativos e o grau de desenvolvimento socioeconômico das diferentes regiões e unidades administrativas brasileiras.
Por outro lado, aplicando a metodologia e analisando os dados obtidos de maneira mais desagregada às várias unidades administrativas, chegamos ainda à seguinte classificação dos sítios legislativos:


(Fonte: Braga, 2005)

Em termos comparativos, se contrastados com os índices de outros países, os sites de algumas unidades da federação brasileiras alcançaram elevados níveis de informatização . Por outro lado, a principal conclusão do estudo é a de que, de uma maneira geral, os sites legislativos têm sido utilizados basicamente para divulgar informações sobre a atuação dos parlamentares individualmente considerados, restando ainda muito a ser feito no tocante à divulgação de informações sobre aspectos processuais de sua atividade, bem como à dinamização e aperfeiçoamento da interação com o cidadão.
Fazendo uma avaliação global do grau de informatização dos legislativos brasileiros, podemos constatar a existência de quatro grupos bem diferenciados: (i) legislativos com alto grau de informatização, geralmente as unidades administrativas com maior tradição política e sistemas políticos mais institucionalizados (CD; RS; SF; MG); (ii) unidades com grau médio-alto de informatização (SC; SP; PE); (iii) unidades com grau médio-baixo de informatização; (iv) unidades com baixo grau de informatização. Assim, com exceção de quatro sites que podem ser classificados como possuindo “alto grau de informatização”, a maioria deles apresenta deficiências de construção e podem ser substancialmente melhorados.

3.2) Os parlamentares paranaenses e a Internet.
Outro aspecto de nossa pesquisa foi o exame do uso que políticos do estado do Paraná fazem da Internet para divulgar suas atividades e interagir com o cidadão comum. Elaboramos e enviamos questionários para os endereços eletrônicos de todos os parlamentares das principais localidades do estado do Paraná. Para facilitar a análise agregada dos dados, agrupamos os parlamentares nas seguintes categorias: (i) parlamentares de nível federal (3 senadores e 30 deputados federais atualmente no exercício do mandato); (ii) parlamentares de nível estadual (54 deputados estaduais); (iii) vereadores da capital (38 vereadores de Curitiba); (iv) vereadores do interior (18 vereadores de Londrina e 15 de Maringá) . Aplicamos os questionários e fizemos o derradeiro teste nos sites dos 158 parlamentares no exercício do mandato entre os dias 10 e 20 de abril de 2006, de acordo com a seguinte distribuição:
Tabela 2) Parlamentares pesquisados, por partido e categoria
Senador Deputado Federal Deputado Estadual Vereador Capital Vereador Interior Total
N % N % N % N % N % N %
PMDB 0 0,0 8 5,1 14 8,9 3 1,9 5 3,2 30 19,0
PSDB 1 0,6 3 1,9 9 5,7 8 5,1 3 1,9 24 15,2
PT 1 0,6 6 3,8 9 5,7 3 1,9 5 3,2 24 15,2
PP 0 0,0 4 2,5 2 1,3 3 1,9 5 3,2 14 8,9
PPPPs 0 0,0 0 0,0 3 1,9 7 4,4 3 1,9 13 8,2
PPS 0 0,0 2 1,3 5 3,2 3 1,9 2 1,3 12 7,6
PDT 1 0,6 0 0,0 5 3,2 4 2,5 1 0,6 11 7,0
PL 0 0,0 3 1,9 1 0,6 3 1,9 4 2,5 11 7,0
PFL 0 0,0 2 1,3 4 2,5 3 1,9 1 0,6 10 6,3
PTB 0 0,0 2 1,3 2 1,3 1 0,6 3 1,9 8 5,1
Sem partido 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 0,6 1 0,6
Total 3 1,9 30 19,0 54 34,2 38 24,1 33 20,9 158 100,0

A partir da análise dos web sites destes 158 parlamentares e do envio, pelos e-mails disponíveis nos sites institucionais, de questionários a cada um deles, chegamos aos resultados expostos a seguir.
Com relação ao percentual de parlamentares que se utilizam do recurso de web sites pessoais para divulgar suas atividades, temos a seguinte distribuição:
Tabela 3) Parlamentares paranaenses com web sites em 24/04/2006
N %
Não têm web site 93 58,9
Têm web site 59 37,3
Em construção/fora do ar 6 3,8
Total 158 100,0
Temos, assim, um total de 58,9% dos parlamentares paranaenses sem web sites pessoais para divulgar suas atividades . Embora a maioria dos parlamentares não tenha sites pessoais na Internet, tendo em vista as pesquisas disponíveis em nível internacional e nacional, o percentual encontra-se ligeiramente acima da média, confirmando a observação efetuada por alguns analistas e admitida pelos próprios parlamentares na respostas aos questionários que os sites pessoais tendem a se constituir, cada vez mais, num importante recurso tecnológico de divulgação de suas atividades por meio do parlamentares e de acompanhamento, pelos eleitores, do comportamento de seus representantes. MARTINS (2005: p. 80), em sua análise da tramitação do Projeto de Lei de Biossegurança, chegou ao resultado de que apenas 27% dos deputados de sua amostra mantinham sites pessoais, enquanto NORRIS (2001), analisando o parlamento inglês e de outros países europeus, obteve o percentual médio de aproximadamente 12% de parlamentares com web site pessoal.
Devemos observar, entretanto, que o grau de interesse dos parlamentares em divulgar suas informações pela Internet não se distribui igualmente pelos partidos e pelas categorias de parlamentares, conforme podemos verificar pelas tabelas abaixo.
Em relação à distribuição por categorias de parlamentares, ela é a seguinte:

Tabela 4: Parlamentares com sites pessoais, por cargo eletivo
Deputado Estadual Deputado Federal Senador Vereador Capital Vereador Interior Total
N % N % N % N % N % N %
Fora do ar/em construção 1 1,9 1 3,3 0 0,0 3 7,9 1 3,0 6 3,8
Não tem site 30 55,6 16 53,3 0 0,0 20 52,6 27 81,8 93 58,9
Tem site 23 42,6 13 43,3 3 100,0 15 39,5 5 15,2 59 37,3
Total 54 100,0 30 100,0 3 100,0 38 100,0 33 100,0 158 100,0

Todos os três senadores paranaenses possuem sites pessoais, enquanto os índices mais baixos estão entre os vereadores do interior, conforme esperado. Deve-se destacar, entretanto, que o percentual de parlamentares que possuem sites pessoais nos demais níveis de governo é relativamente elevado, oscilando entre um mínimo de 39,5% (para os vereadores de Curitiba), a um máximo de 43,3% para os deputados federais. Podemos observar também que não existe correlação estrita entre o “grau de informatização” dos órgãos legislativos nos quais os representantes exercem seu mandato e o percentual de parlamentares que optam por construir sites pessoais. Essa hipótese pode ser comprovada pelo fato de que, entre os 30 deputados federais paranaenses, somente 43,3% possuem sites pessoais, embora o portal da Câmara dos Deputados apresente o mais elevado índice de informatização de todo o país.
No tocante aos diferentes partidos políticos, os percentuais são os seguintes:

Tabela 5) Parlamentares com web sites pessoais, por partido
PDT Pequenos Partidos PFL PL PMDB PP PPS PSDB PT PTB Sem partido Total
N % N % N % N % N % N % N % N % N % N % N % N %
Tem sites 6 54,5 6 46,2 3 30,0 3 27,3 9 30,0 2 14,3 4 33,3 6 25,0 19 79,2 1 12,5 0 00 59 37,3
Não tem site 4 36,4 5 38,5 7 70,0 8 72,7 20 66,7 11 78,6 8 66,7 18 75,0 4 16,7 7 87,5 1 100 93 58,9
Em construção/fora do ar 1 9,1 2 15,4 0 0,0 0 0,0 1 3,3 1 7,1 0 0,0 0 0,0 1 4,2 0 0,0 0 0,0 6 3,8
Total 11 100 13 100 10 100 11 100 30 100 14 100 12 100 24 100 24 100 8 100 1 100 158 100
Também aqui se verifica uma acentuada desigualdade na distribuição partidária dos parlamentares que se utilizam do recurso dos web sites pessoais para divulgar suas atividades, com os extremos sendo formados pelo PT (com 79,2% com sites) e pelo PTB (com 87,5% dos parlamentares sem web sites pessoais). Até que ponto essas variáveis se correlacionam com outros fatores referentes à organização e ao comportamento dos diferentes partidos políticos, tais como taxa de migração partidária, fidelidade na votação, políticas internas das agremiações e natureza dos vínculos que estabelece com os eleitores e com a militância, é algo que resta por ser investigado.
Podemos agora examinar evidências de outra dimensão importante da relação do parlamentares com a Internet, que é o do grau de interação que os parlamentares possuem com o cidadão comum, tal como mensurado pela taxa de resposta das mensagens enviadas para os endereços eletrônicos que constam nos portais das instituições dos quais cada grupo de parlamentares faz parte.
Lembrando que a pesquisa foi realizada entre os dias 17 e 24 de abril, e que somente foram aceitas respostas recebidas durante esse período. Enviamos uma mensagem individual a cada parlamentar em 17 de abril de 2006, segunda-feira, solicitando resposta para um pequeno questionário de pesquisa, acompanhado de um anexo com informações curriculares nossas.
Após uma semana de espera, foi a seguinte a taxa de resposta dos parlamentares a nossas mensagens.
Tabela 6) Proporção de resposta dos parlamentares aos e-mail
N %
Sem resposta 115 72,8
Retornou/E-mail desativado 25 15,8
Respondeu 18 11,4
Total 158 100,0

Temos, assim, uma taxa de resposta de apenas 11,4% que, no entanto, é ligeiramente superior à taxa verificada durante os cinco meses da pesquisa realizada por Martins (2005) . Dessa forma podemos, assim, considerá-la como bastante significativa em termos comparativos, tendo em vista o pouco tempo dado aos parlamentares para responder às mensagens. Como nosso objetivo era testar a velocidade de resposta dos parlamentares, deliberadamente demos pouco tempo para que os mesmos respondessem aos e-mails. Outro dado significativo é o de que 15,8% das mensagens enviadas retornaram por motivos diversos, tais como e-mail incorretamente informado e lotação de caixa postal. Assim como em relação ao item anterior, também houve um percentual diverso na distribuição entre as diferentes categorias de parlamentares no quesito “interatividade”.

Tabela 7: Resposta a e-mail por cargo ocupado
Deputado Estadual Deputado Federal Senador Vereador Capital Vereador Interior Total
N % N % N % N % N % N %
Respondeu 2 3,7 4 13,3 2 66,7 9 23,7 1 3,0 18 11,4
Sem resposta 43 79,6 19 63,3 1 33,3 25 65,8 27 81,8 115 72,8
Voltou/E-mail inativo 9 16,7 7 23,3 0 0,0 4 10,5 5 15,2 25 15,8
Total 54 100,0 30 100,0 3 100,0 38 100,0 33 100,0 158 100,0

Verificamos que os índices mais baixos de resposta aos e-mails ocorreram entre os vereadores do interior (3,0%) e os deputados estaduais (3,7%). Dos três senadores, dois responderam ao questionário, enquanto que o dado mais significativo refere-se aos vereadores da capital: dos 38 vereadores, 9 responderam às mensagens enviadas, num total de 23,7%, um índice que podemos considerar elevado, tendo em vista os padrões brasileiros e, inclusive, internacionais.
Embora tivessem sido poucos os questionários respondidos (apenas 18 de um total de 158 enviados, num total de 11,4%, percentual não significativo do ponto de vista estatístico), as respostas dos parlamentares nos fornecem alguns dados interessantes .
Assim, 33,3% do parlamentares admitiram que os e-mails tinham “muita influência” em sua conduta parlamentar e decisão de voto. No entanto, outros fatores foram enumerados como mais influentes do que os e-mail, tais como convicções pessoais, posicionamento do líder do partido e consulta às bases eleitorais. Logo, o e-mail concorre em condição de desvantagem com outros fatores que influenciam com maior intensidade a conduta parlamentar, embora o percentual de influência do e-mail não possa ser desconsiderado.
Outro dado interessante, que também reforça as teses contidas na literatura sobre a “saturação” que o e-mail pode causar na comunicação entre eleitor e parlamentar, é o elevado número de e-mails diários recebido pelos parlamentares nas instâncias superiores de representação. A totalidade dos senadores (100%) e metade dos deputados federais recebe mais de 500 e-mails diários em seus endereços eletrônicos, o que dificulta o gerenciamento das informações, conforme já observado em outros estudos sobre o assunto (CASTELLS, 2003; MARTINS, 2005). Por outro lado, nos níveis locais a quantidade de e-mails diários é mais reduzida, o que talvez explique a elevada taxa de resposta dos vereadores de Curitiba obtida durante a pesquisa.
Destaque-se ainda o elevado número de parlamentares que admitiram ter sugerido uma proposição ou projeto de Lei a partir de sugestão encaminhada por e-mail (61,1%), evidenciando que os parlamentares mais preocupados com a interatividade com o eleitor dão importância ao e-mail também como instrumento de sugestão de proposições.
Por fim, devemos mencionar o alto percentual de parlamentares que, embora reconhecendo a importância crescente da Internet no relacionamento com o eleitor (66,7%), relutaram em admitir que este recurso vá se desenvolver o suficiente, num horizonte próximo, para substituir formas tradicionais de relacionamento com as bases eleitorais. Aliás, essa foi a proposição que teve maior proporção de concordância entre os parlamentares, dados que todos eles concordaram, em maior ou menor grau de intensidade, que a Internet, embora esteja adquirindo importância crescente, não é ainda suficiente para substituir o tradicional contato face a face com o eleitor e com as bases eleitorais.

4) Conclusões:

Podemos, assim, enunciar sinteticamente as principais conclusões deste estudo:

· Contrariando as avaliações iniciais excessivamente otimistas, quase eufóricas, sobre os impactos da Internet no funcionamento dos sistemas políticos democráticos contemporâneos, estudos mais recentes têm apontado vários problemas no uso desse recurso tecnológico (tais como a utilização ainda deficiente, pelos representantes eleitos, de sites pessoais para divulgar suas atividades; a “saturação” do processamento de mensagens enviadas por e-mail; a “monopolização” de listas de debates por indivíduos não comprometidos com os valores cívicos que possibilitem uma adequada convivência democrática), que colocam a necessidade de estudos empíricos mais sistemáticos para avaliar os reais impactos dessa mídia no sistema político.
· No entanto, há um certo consenso na literatura em se observar que consideráveis avanços foram feitos no funcionamento das democracias através do emprego dos recursos tecnológico propiciados pela Internet. O uso de web sites pessoais bem organizados, por exemplo, pode ser um importante fator de comunicação dos políticos, candidatos e órgãos da administração pública com o cidadão comum e, por outro lado, um eficiente recurso de acompanhamento e fiscalização do poder público por parte da população. Pode também vir a se transformar num importante instrumento de campanha eleitoral, desde que adequadamente utilizado.
· Há uma crescente legislação e decisões judiciárias regulamentando o uso da Internet em campanhas eleitorais, devido à tendência de aumento da importância desse recurso tecnológico nos pleitos eleitorais. No que se refere aos tópicos mais controversos, podemos afirmar, com base nas decisões dos Tribunais Eleitorais, que inexiste obrigatoriedade de registro do domínio “can.br” para a realização de campanha eleitoral pela Internet, tendo os candidatos aos vários cargos eletivos o direito de se utilizarem de seus web sites pessoais para fazer campanha, desde que tal uso obedeça às determinações da Justiça Eleitoral e não desvirtue os princípios da igualdade entre os candidatos na corrida eleitoral que devem orientar a organização das campanhas.
· Verificamos uma acentuada desigualdade regional e entre as várias unidades da federação no uso da Internet para divulgar suas atividades. Apenas 4 sites, dentre os 29 analisados, receberam a classificação “alto grau de informatização”, indicando que muitos avanços ainda podem ser feitos no tocante a esse aspecto específico.
· Uma porcentagem significativa de parlamentares paranaenses já se utilizam de web sites para divulgar suas atividades, porcentagem superior à verificada por estudos anteriores sobre o tema em outros órgãos legislativos, evidenciando que há uma crescente preocupação dos representantes eleitos nos vários níveis de governo em se utilizarem da Internet para divulgar suas atividades para o cidadão comum.
· Entretanto, a interatividade dos representantes eleitos com os cidadãos por intermédio da Internet pode ser considerada insatisfatória. Tal fato deve-se a duas causas: por um lado, a uma certa escassez de recursos humanos especializados no gerenciamento das mensagens enviadas por meio da Internet e, por outro, a uma certa “saturação” dos e-mails como recurso empregado para promover a interação entre eleitor e representante.

Referências bibliográficas:

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Anexo 1: Questionário da pesquisa:
“Os políticos paranaenses e a Internet” (% de respostas)


1. Qual o grau de influência que as mensagens enviadas para seu e-mail pessoal costumam ter em sua decisão de voto e em sua conduta no exercício do mandato?

1 [ 0,0 ] Influência total
2 [33,3] Muita influência
3 [38,9] Influência mediana
4 [22,2] Pouca influência
5 [ 5,6 ] Nenhuma influência

2. Dentre os fatores que podem interferir em sua decisão de voto e na sua conduta parlamentar, indique abaixo o grau de influência de cada um dos itens enumerados abaixo, obedecendo ao seguinte código: 1) Influência total; 2) Muita influência; 3) Influência mediana; 4) Pouca influência; 5) Nenhuma influência


1 2 3 4 5
1. Os debates internos nas comissões e/ou no plenário 61,1 22,2 5,6 11,1
2. Mensagens de e-mails enviadas ao seu endereço eletrônico por cidadãos comuns 33,3 50,0 11,1 5,6
3. Cartas enviadas ao seu gabinete na Câmara por cidadãos, grupos de pressão e/ou entidades organizadas 33,3 55,6 5,6 5,6
4. Sigo minhas convicções pessoais 16,7 44,4 22,2 11,1 5,6
5. A vontade e o posicionamento das bases eleitorais 11,1 44,4 38,9 5,6
6. Posicionamento do líder da bancada de meu partido 11,1 50,0 16,7 16,7 5,6
7. Posicionamento do líder do governo e do chefe do Executivo. 16,7 33,3 5,6 27,9 16,7
8. Leitura de editoriais de jornais e órgãos da imprensa 5,6 16,7 55,6 16,7 5,6
9. Leitura de “blogs” da Internet 16,7 16,7 50,0 16,7
10. Consulta ao site do partido do qual sou filiado 16,7 16,7 22,2 33,3 11,1


3. Estime quantos e-mails em média O senhor(a) recebe por dia no seu endereço eletrônico. Considerar uma média em períodos de trabalho parlamentar, excluindo os recessos.

1 [11,1] de 0 a 30
2 [38,9] de 31 a 100
3 [16,7] de 101 a 500
4 [33,3] de 501 a 1.000
5 [ 0,0 ] Não sei estimar/não contabilizo

4. O senhor(a) dispõe de um ou mais funcionários, em seu gabinete, com a função de separar as mensagens enviadas por e-mail, para apresentar-lhe um resumo delas e, eventualmente, auxilia-los na resposta?

1 [61,1] Não
2 [38,9] Sim

Caso a resposta tenha sido “Sim”, indique quantas pessoas são encarregadas deste serviço em seu gabinete:

[11,1] Ninguém. Eu mesmo respondo aos e-mails.
[38,9] 1 pessoa encarregada.
[50,0] 2 pessoas encarregadas
[ 0,0 ] Mais de duas pessoas


5. O senhor(a) consegue ler pessoalmente todas as mensagens recebidas por e-mail, fax e cartas?

1 [50,0] Sempre consigo.
2 [27,8] Muitas vezes consigo.
3 [22,2] Raras vezes consigo.
4 [ 0,0 ] Nunca consigo.

6. O senhor(a), com ou sem a ajuda de funcionários de seu gabinete, consegue responder todas as mensagens recebidas por e-mail, fax e cartas?

1 [66,7] Sempre consigo.
2 [27,8] Muitas vezes consigo.
3 [5,6 ] Raras vezes consigo.
4 [0,0 ] Nunca consigo.

7. O senhor(a) já sugeriu alguma proposição e/ou projeto de lei à Câmara a partir de uma sugestão encaminhada por e-mail por um cidadão ou por alguma entidade?

1 [38,9] Não
2 [61,1] Sim

8. O senhor(a) mantém um site político pessoal?

1 [83,3] Sim
2 [11,1] Não
3 [5,6 ] Meu site não está ativo mas está em construção

9. O senhor(a) se julga suficientemente informado sobre a legislação eleitoral referente ao uso da Internet nas eleições?

1 [27,8] Não
2 [72,2] Sim

10. Em relação à afirmação a seguir, assinale a opção que mais se assemelha ao seu modo de pensar, de acordo com o seguinte código: 1) Concordo totalmente; 2) Concordo parcialmente; 3) Discordo totalmente; 4) Discordo moderadamente; 5) Não tenho opinião formada sobre o assunto

1 2 3 4 5
1. Com a inclusão digital e com a popularização cada vez maior da informática, a Internet tende a se tornar um instrumento cada vez mais eficaz no relacionamento entre os políticos e o eleitor. 66,7 27,8 5,6
2. Os parlamentares que usam com mais eficácia a Internet têm maior probabilidade de serem reeleitos. 16,7 50,0 11,1 22,2
3. A Internet é uma ferramenta importante, mas não é suficiente para substituir o velho contato face a face com as bases eleitorais. 77,8 22,2
4. Hoje em dia, é indispensável para um bom político possuir um site pessoal. 61,1 22,2 5,6 11,1
5. Os sites pessoais são importantes, mas eles servem mais para a comunicação com os militantes e simpatizantes do que com o eleitor, dados os altíssimos níveis de exclusão digital ainda vigentes no Brasil. 38,9 33,3 11,1 11,1 5,6


Muito obrigado pela sua atenção e pela participação em nossa pesquisa"
http://www.paranaeleitoral.gov.br/artigo_impresso.php?cod_texto=208&palavra_chave[]=Braga&e_ou=e


Paraná Eleitoral número 58  ( OUT/2005 )
Título: Reforma Política. Voto Distrital Misto: visão jurídica
Autor: Carlos Fernando Correa de Castro
Artigos em Portugues
 
A adoção do voto distrital misto para eleições para o Legislativo é necessidade imperiosa. Entre muitas razões, pelo efeito moralizador do processo eleitoral e responsabilização dos que venham a ser eleitos.

A Constituição de 1988 garantiu o sufrágio universal, pelo voto direto e secreto. Determinou, no entanto, o voto proporcional para a Câmara dos Deputados, já adotado desde a Constituição de 1.946 (artº 45). O sistema está regulamentado pelos artigos 105/109 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65, recepcionado pela Carta de 1988). O tema é tratado como "representação proporcional", e se baseia no princípio do quociente eleitoral dos partidos políticos. Muito embora seja "a conseqüência de uma justiça na representação política "(Pinto Ferreira, Código Eleitoral, pág. 139) e necessidade da democracia de massas (no conceito de Bobbio), muitos agora pensam que chegou o momento de se alterar o sistema. Na verdade, já anteriormente se previa a hipótese do voto distrital, mas a reforma constitucional de 08/05/1985 suprimiu esta possibilidade (Antônio Roque Citadini, Código Eleitoral Anotado, pág. 156). O sistema do voto proporcional também é o fixado para a eleição de vereadores (Código Eleitoral, artº 106 e seus parágrafos).


DESCONHECIMENTO POPULAR

Há grande desconhecimento a respeito em que consiste e como funciona na prática o sistema do voto distrital misto. Na verdade, é um misto de voto distrital puro, com o sistema de representação proporcional. A seguir, uma breve descrição do que poderia ser adotado.

No sistema do distrital misto, o legislativo é composto, metade por eleitos por votação majoritária obtida em distritos eleitorais (que seriam criados por lei) e a outra metade por candidatos "gerais", que recebem votação em todo o território do estado, inclusive do próprio distrito. Aqui há, portanto, semelhança com o atual voto de legenda, ou de representação proporcional porquanto o candidato é indicado pelo partido; não há candidaturas avulsas. Neste sistema, o eleitor dispõe de dois votos; um para o candidato distrital, outro para um candidato “geral” (ou de toda coletividade).

O voto distrital misto pode ser aplicado tanto para eleições para deputados federais -- representantes na Câmara de um estado da federação -- como estaduais, e inclusive para o legislativo municipal. O sistema não se aplica para a eleição de senadores, porque este pleito é majoritário (Constituição Federal, artº 46).

Para tanto, o território será dividido em distritos eleitorais, que elegerão a metade dos assentos à casa legislativa. Cada partido apresenta um seu candidato pelo distrito. Esta eleição é majoritária. Vence o que obteve mais votos. As demais cadeiras (50%) serão preenchidas pelo sistema proporcional, nos mesmos termos hoje vigentes (voto de legenda e quociente partidário). Para esta metade, tanto poderia ser adotada lista partidária fechada, como a “aberta”, isto é, os mais votados em cada legenda. Estes representantes consideram-se indispensáveis para qualquer casa legislativa, por sua experiência passada, por sua projeção, relevo de suas posições, liderança, etc. Evita-se assim a “paroquialização” da política ou “provincianismo” dos representantes eleitos. Têm-se então uma representação local, sem prejuízo de nomes respeitados, conhecidos, ou experientes que integrarão o mesmo corpo legislativo.

Um exemplo esclarece melhor. Tome-se Curitiba e a Câmara de vereadores. Supondo trinta o número de assentos no legislativo municipal, o município (ou uma zona eleitoral) seria dividido em 15 distritos. Cada um deles elegeria, por votação majoritária, um vereador “distrital”, indicado por um dos partidos políticos. Os outros 15 seriam aqueles também lançados pelos partidos, que mais tivessem obtido votos em toda a cidade (ou zona eleitoral). Assim, teríamos ao mesmo tempo vereadores “distritais” e “gerais”, os quais representariam tanto os interesses "paroquiais" (distritais), como os globais da comunidade.

Valendo-se de nomes já saudosos, apenas para exemplificar, poderíamos citar os anteriores vereadores João Stival ou Toaldo Túlio (eleitos só com os votos do bairro de Santa Felicidade) e Iberê de Matos ou Omar Sabbag, anteriores prefeitos, como candidatos “gerais", os quais, por sua projeção e experiência, sempre poderiam ser candidatos à Câmara Municipal.

VANTAGENS DO SISTEMA

A vantagem deste sistema é evidente. O candidato eleito pelo distrito conheceria de perto as necessidades locais e as reivindicações dos eleitores. Assim, poderia defendê-las com mais propriedade na Câmara Municipal. Os candidatos manteriam escritórios 'políticos' no distrito pelo qual foram eleitos e que representam, onde ouviriam seus munícipes, prestariam contas de sua gestão e estariam sujeitos ao controle dos eleitores, independente do partido ao qual pertençam. A fiscalização de sua atividade seria bastante próxima e efetiva. Seria, pois, o que a Constituição determina: “legítimo representante do povo”.

O voto distrital misto é o item mais importante para uma real reforma política no Brasil. Mas raramente é mencionado pelos próprios políticos os quais, segundo parece, não têm interesse pessoal em sua adoção. A própria mídia, quando relaciona os itens pretendidos para a reforma, menciona cláusula de desempenho, votação em lista fechada, federações partidárias, coligações nas eleições proporcionais, fidelidade partidária, financiamento público, etc, conforme os projetos de reforma em curso no Congresso. Mas nada a respeito da adoção do voto distrital misto (O Globo, 23/06/05, pág. 11). Ao que tudo indica, querem a permanência do sistema atual, do voto proporcional.

É oportuno saber-se o que dizem políticos, comentaristas e juristas.
Conceituados articulistas explicam que se trata da sobrevivência dos próprios políticos. "O Congresso, no entanto, costuma cuidar apenas da sobrevivência de quem já o integra"; e ... "Os nossos deputados elegeram-se pelo voto proporcional; construíram suas respectivas máquinas eleitorais com base nesse sistema. Se o sistema mudar eles correm o risco de não se reelegerem " (Fábio Campana, Gazeta do Povo, edições de 10/06 e 17/07/2005). Em igual sentido, comentários de Tereza Cruvinel (O Globo, 23/06/05). Também Alex Gutenberg une-se à crítica ( Gazeta do Povo, 24/07/05): ...porque esse parlamento vai legislar em causa própria, mudar as leis eleitorais, votar um novo sistema que irá permitir que eles se perpetuem no poder ".

Sérgio Braga, professor de Ciência Política da UFPR: "Na verdade, sob o disfarce reforma política, o que tais parlamentares pretendem implementar são propostas que visam aumentar ainda mais as brechas existentes no sistema político para práticas corruptoras e fisiológicas, reduzindo a “reforma” a medidas eleitorais de ocasião" (Estado do Paraná, 03/07/05).


Hoje entende-se que uma reforma política é indispensável, para sanar as vexatórias irregularidades que recentemente foram trazidas ao conhecimento do povo, objeto de apuração pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, onde os próprios investigados ficam dispensados de dizer a verdade. Temas da pretendida reforma estão em todos os jornais, pela pena de comentaristas bem informados (Mônica Waldvogel, O Estado do Paraná, 25/07/05) .

PROBLEMAS REMONTAM À CONSTITUIÇÃO DE 1988

Pessoas experientes remontam o problema à elaboração da Constituição de 1988: "já na elaboração da Constituição de 1988 faltou vontade política ao Congresso para promover a modernização dos partidos políticos. O atual sistema prevê mecanismos que acabam afastando o eleitor do processo de fiscalização " (Armando Sobreiro Neto, autor de " Direito Eleitoral: Teoria e Prática", Gazeta do Povo,20/06/05). Dirigentes empresariais de peso também verberam: "A verdade é que a Constituição de 1988 criou "um elefante branco" na política brasileira (Fecomércio, nº 51, junho/05, editorial pelo presidente Darci Piana).

Políticos respeitáveis explicam o porque da manutenção do sistema atual: "Participei de todas as comissões que discutiram a reforma política e chego à conclusão de que os políticos não vão 'mexer em time que está ganhando'. Se eles estão se elegendo, porque mudar as regras ?" (Deputado Affonso Camargo, Gazeta do Povo, 05/06/05). "Para coibir esta anomalia, impõe-se o voto distrital misto, metade da representação eleita pelo distrito, e outra em lista partidária, com o eleitor tendo dois votos para o legislativo" (Léo de Almeida Neves, Gazeta do Povo, 19/06/05).

A oposição ao voto distrital misto parte não só dos políticos favorecidos pelo voto proporcional, como também - e especialmente - pela restrição que lhe é feita pela própria mídia (especialmente TV), pelas entidades de classe (sindicatos, associações de classe e semelhantes) e por algumas instituições religiosas -- todos eles perderiam importância na formação da opinião pública ou de filiados (e não mais elegeriam suas "bancadas").

A opinião de conhecedores do Direito Eleitoral e da Justiça Eleitoral aponta para esse caminho do voto distrital misto. A corrente é liderada pelo próprio Ministro Carlos Velloso, atual presidente do TSE: "A reforma política é urgentíssima. É preciso ainda pensarmos na reforma do sistema do voto. Hoje temos apenas o Brasil e a Finlândia praticando o sistema proporcional. É hora de pensarmos no voto distrital misto " (Gazeta do Povo, 27/06/05).

Um dos precursores da idéia do voto distrital misto é Sergio Maranhão Ritzmann. Em artigo publicado no Paraná Eleitoral nº 20, pág. 25, diz ele que as vantagens do voto distrital consistem em: “a) a proximidade entre eleitor e candidato, propiciando, em última análise, uma intensa participação política do candidato; b) maiores chances de melhor fiscalização dos trabalhos desenvolvidos pelo eleitos”.

Formadores de opinião também apóiam o voto distrital: Carlos Alberto Di Franco, professor de Ética da Comunicação (O Estado de São Paulo, 18/07/05): "O voto distrital, que quebra o distanciamento entre eleitos e eleitores, é essencial"; "Certa vez, um cidadão do Canadá, onde o voto é distrital, me disse: Lá temos o nosso deputado, da mesma forma que o nosso médico, o nosso advogado, o nosso dentista e por aí afora"; "O mercado de deputados, também é falho porque eles não têm compromisso com a marca que ostentam" (Roberto Macedo, O Estado de São Paulo, 16/05/05). Evidente isso não ocorre em nosso país, onde grande parte dos eleitores nem se lembra em quem votou na última eleição...

PESQUISA APONTA VANTAGENS

Em pesquisa efetuada pelos estudantes de Pós-graduação em Sociologia Política da UFPR (Sérgio Braga e Priscilla Belache), publicada na Revista Paraná Eleitoral nrº 53/54, jul/dez-04 ) foram muito esclarecedoras as razões das respostas favoráveis à adoção do sistema eleitoral misto: gera-se um controle próximo do representante pelo eleitor; maior comprometimento do eleito com sua base eleitoral; cresce a representatividade e transparência do processo; reduz o excesso de candidatos, tornando mais claras as opções do eleitor. As opiniões desfavoráveis baseiam-se no desconhecimento: "há pouca informação disponível sobre este assunto, então é melhor deixar que o sistema atual funcione por um tempo antes de modificá-lo" (pág. 24).

Em texto de nossa autoria, publicado na Revista Paraná Eleitoral nº 35, sob título "Compra de Votos", comentando o artº 41-A da Lei 9.504/97, finalizamos dizendo... "O próximo passo moralizador será a adoção do voto distrital misto, que o autor espera seja aprovado pelo Congresso com a brevidade que se impõe".


ELEITORES JÁ ADOTAM O VOTO DISTRITAL MISTO

A análise do resultado das eleições proporcionais de 2002 no Paraná, mostra o que já havíamos alertado alhures: os eleitores já mostraram efetiva preferência pelo voto distrital misto, ao votarem nos candidatos locais, ou seja, naqueles que representam a região onde são radicados e onde são conhecidos. Examinados os resultados de áreas importantes do estado (v.g. Cascavel, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Jacarezinho, Londrina, Maringá, Paranavaí, Pato Branco, Ponta Grossa, Umuarama, União da Vitória), verifica-se que, tanto para deputados federais, como para deputados estaduais, cerca de 55 a 60% dos votos foram outorgados aos candidatos locais, líderes políticos da própria região, enquanto os restantes foram espalhados entre todos os outros candidatos, mas com clara prevalência dos nomes mais conhecidos ou respeitados.


MUDANÇA DA LEGISLAÇÃO VIGENTE

A adoção do voto distrital não apresentaria dificuldades maiores. É claro que deveria ser alterado, por emenda constitucional, o artº 45 da Constituição Federal, para substituir a expressão "voto proporcional", por voto distrital misto. Mas como desde 1988 até agora o Congresso já votou 45 emendas -- ou seja, quase três por ano ! -- por aí não se antevêem maiores dificuldades.

Seria também editada uma nova lei, que dispusesse sobre o sistema, aplicável à Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores. Os artigos 106 a 113 do Código Eleitoral deveriam ser revogados.

Em conclusão: o sistema do voto distrital misto é o que atualmente e para o futuro melhor atenderá ao princípio constitucional da moralidade, imposto aos Poderes da República e à administração pública (artº 37).

Carlos Fernando Correa de Castro
advogado, ex-juiz do TRE/PR;
membro do Instituto dos Advogados Brasileiros; ex-presidente do Instituto dos Advogados do Paraná
(em julho/2005)"



Postulações fundamentais GAC - GRUPO DE ANÁLISE DE CONJUNTURA - CONFERÊNCIA INAUGURAL
1
Alternativas políticas e configuração do bloco no poder na última conjuntura
eleitoral brasileira. O que fazer?
Sérgio Braga, DECISO/UFPR
ssbraga@ufpr.br
“Há alguns anos, ao examinar um programa de pós-graduação em ciência política
de uma de nossas grandes universidades, constatei que os alunos de doutorado não
sabiam reagir de maneira minimamente inteligente diante da pergunta sobre como é
que os trabalhos que estavam fazendo se diferenciava do trabalho que algum
jornalista pudesse fazer sobre o mesmo tema. Eles ficaram perplexos. Isso é clara
indicação de que há alguma coisa errada” (Fábio Wanderley Reis, 2005)
I. Introdução1:
O título deste pequeno ensaio faz
referência a um artigo de Sebastião Velasco e
Cruz, onde são abordados alguns dos
problemas teórico-metodológicos colocados à
elaboração de “análises de conjuntura” por
parte dos cientistas sociais, de uma maneira
geral, e dos cientistas políticos em particular
(CRUZ, 1988)2. Neste texto, após aludir a
algumas das dificuldades postas à feitura de
“análises de conjuntura” pelos cientistas
políticos, bem como a seu atraso em
comparação com outras disciplinas co-irmãs
das ciências sociais latu sensu (tais como a
gestão de organizações e a economia, dentre
outras), Cruz formula a provocativa
indagação: o que fazer?, referindo-se à
carência de esforços abrangentes e
1 Esse texto é uma versão modificada da conferência
apresentada em 18 de agosto de 2006 na mesa de encerramento
do II Simpósio de Análise de Conjuntura Política organizado
pelo GAC, vinculado ao Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política
Brasileira da UFPR. Foram feitas apenas pequenas alterações
formais no texto apresentado na conferência, sem mudanças
substantivas em seu conteúdo e/ou em suas teses ou
proposições fundamentais. Este artigo é dedicado a Hélio
Jaguaribe e a Décio Saes.
2 CRUZ, S. V. Teoria e método na análise de conjuntura.
Educação & Sociedade, São Paulo, v. XXI, n. 72, p. 145-152, ago.
2000. Disponível em: www.scielo.br (Acesso: 01/07/2005).
sistemáticos, por parte dos cientistas políticos,
de abordagem dos problemas teóricometodológicos
relacionados à elaboração de
análises de conjuntura, bem como de sua
constituição como uma sub-área específica da
ciência política.
O objetivo desse trabalho é, a partir da
aceitação do repto lançado aos analistas
políticos por Cruz em seu texto, efetuar algumas
considerações sobre o estatuto teóricometodológico
das chamadas “análises de
conjuntura” para o desenvolvimento teórico e
profissional da ciência política, que sejam úteis
especialmente para os estudantes de graduação e
pós-graduação na área. Complementarmente,
procuraremos aplicar algumas das idéias
expostas neste texto, analisando a última
conjuntura político-eleitoral brasileira a partir
das considerações efetuadas na primeira parte
do artigo.
Gostaríamos de sublinhar inicialmente a
importância de esforços de reflexão dessa
natureza para a profissionalização (sem aspas)
do cientista político, que lhes possibilite uma
intervenção mais qualificada e, eventualmente,
prescritiva no debate público, de natureza
análoga a que fazem as já mencionadas
GAC - GRUPO DE ANÁLISE DE CONJUNTURA - CONFERÊNCIA INAUGURAL
2
disciplinas co-irmãs dos demais ramos das
ciências sociais, cujos profissionais são
razoavelmente treinados na feitura de análise
de conjunturas, elaboração de cenários e
recomendações prescritivas para os diversos
atores sociais participantes do chamado
processo de “escolha pública”. Devemos
admitir, inicialmente, que a ciência política
brasileira, especialmente a ciência política
crítica, ainda tem muito a desenvolver nesse
sentido, e é imperativo para a maior
institucionalização da profissão a tentativa de
elaborar trabalhos de maior sistematicidade
que contribuam com uma reflexão nesse
sentido.
Devemos ainda, antes de começar a
exposição propriamente dita, justificar seu
título, o qual expressa várias motivações e
intenções do presente texto:
(i) Em primeiro lugar, ele indica
também que haverá uma certa dimensão
prescritiva em nossa abordagem, embora
fracamente prescritiva. Ou seja, ele expressa
uma certa ambição de orientar
comportamentos e opções políticas na presente
conjuntura, embora cônscio de certas
limitações da análise que faremos a seguir3.
(ii) Em segundo lugar, como foi dito
acima, ele alude ao texto já citado de
Sebastião Velasco Cruz (2000), onde este
autor aborda vários problemas colocados à
análise política de conjuntura e formula
justamente essa pergunta, para referir-se à
necessidade de esforços mais sistemáticos de
formalização dos problemas teóricometodológicos
envolvidos na chamada
“conjuntorologia” por parte dos analistas
políticos.
(iii) Por fim, ele expressa uma das
hipóteses centrais do presente texto.
Inversamente a certos analistas que
sustentaram teses sobre o “fim ou a
3 Uma das limitações da presente análise consiste no fato de que
ela não leva em conta todas as oscilações de comportamento
político dos atores envolvidos num processo dinâmico e errático
como as últimas eleições presidenciais brasileiras. A abordagem
de tais oscilações e incertezas foram relegadas a segundo plano,
em detrimento do enunciado de algumas teses centrais do
presente enfoque.
irrelevância da política”4 na atual conjuntura, ao
que parece devido essencialmente à ausência de
perspectivas coletivas divergentes passíveis de
concretização futura como conseqüência da
ação das diferentes forças sociais atuantes no
atual momento político brasileiro, uma das
proposições centrais desse texto é a de que, a
partir da análise que faremos a seguir, podemos
inferir que se colocaram pelo menos três
alternativas políticas significativas ao “eleitor”
e para os diferentes segmentos da chamada
“opinião pública” nas últimas eleições,
alternativas estas cujos desdobramentos
afetaram não apenas o pleito eleitoral, mas
também devem repercutir no funcionamento do
sistema político brasileiro num horizonte
previsível. O objetivo deste pequeno ensaio é
justamente o de explicitar, da maneira mais
sistemática possível, os procedimentos
analíticos e os passos lógicos pelos quais
chegaremos ao enunciado e eventual
demonstração desta tese.
II) O que é uma “análise de conjuntura”?
O primeiro ponto que devemos
esclarecer é que faremos uma exposição que
respeite estritamente o título do presente artigo.
Não iremos, portanto, fazer digressões sobre
outros temas que não a conjuntura recente, ou
mesmo apresentar resultados de trabalhos de
natureza monográfica ou de surveys descritivos
que pouco nos informem sobre as questões e os
dilemas substantivos vivenciados pelos analistas
políticos e pelos cidadãos médios no atual
contexto político brasileiro. Dessa forma, cabe
esclarecer que focaremos nossa abordagem
estritamente no objeto da temática, embora isso
aumente significativamente a margem de erro
das considerações feitas a seguir, dado o caráter
4 Visão difundida na mídia e em periódicos especializados por
alguns intelectuais de esquerda, ao que parece algo desencantados
com suas próprias tomadas de posição anteriores (cf. OLIVEIRA,
2006: p. 43s). Naturalmente, estamos longe de discordar das
corajosas críticas efetuadas por tais intelectuais ao governo petista,
mas sim com algumas conclusões por eles extraídas do fato da
“traição” do governo Lula a certos princípios programáticos
anteriores implicar no “fim da política”, ao menos no sentido dado
ao termo nas linhas que seguem.
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3
essencialmente ensaístico e exploratório das
linhas que seguem.
E a primeira questão que nós devemos
procurar responder é: o que é uma “análise de
conjuntura”? Qual o estatuto teórico de uma
análise de conjuntura na ciência política e que
recomendações e procedimentos teóricometodológicos
devemos seguir para efetuar
uma boa análise de conjuntura?
Sem a pretensão de dar uma resposta
definitiva ao problema, podemos inicialmente
traçar uma “linha de demarcação” para
justificar, numa primeira aproximação, a
estrutura de nossa exposição e a forma como
iremos conduzir a argumentação deste texto.
Por análise de conjuntura não devemos
entender os seguintes tipos de abordagem:
Em primeiro lugar, uma mera tomada
de posição política (seja ela de natureza
“moral”, “instrumental”, “crítica”, “ética” ou
“normativa”, para usar as expressões
consagradas por alguns analistas) em relação
aos eventos e processos políticos examinados.
Esse tipo de posicionamento, geralmente
expresso na forma de uma fraseologia
artificialmente “desafiadora”, não obedece aos
requisitos mínimos do que julgamos ser uma
análise de conjuntura, na medida em que dele
não derivam, necessariamente, proposições
analiticamente estruturadas e fundamentadas
em evidências teoricamente organizadas, ou
seja, “verificáveis”, sobre fenômenos cuja
ocorrência pode ser observada numa cena
política qualquer.
Em segundo lugar, a análise de
conjuntura, tal como compreendida neste
texto, não equivale a uma mera “crônica dos
acontecimentos presentes” ou a comentários
ligeiros sobre os acontecimentos políticos do
dia-a-dia, sejam as narrativas de natureza
jornalística, tais como as que são feitas, por
exemplo, por blogs jornalísticos da mais
variada natureza (alguns dos quais fazem uma
espécie de “literatura de alcova” de qualidade
bastante desigual ¾ o que indica que há
também ótimos blogs jornalísticos), seja um
mero evolver ou comentário cronológico dos
fatos políticos cotidianos, sem nenhum
“problema” ou proposição explicativa que
organize a análise efetuada, ou sem a
explicitação de princípios analíticos e/ou
teóricos dos quais se possam derivar, de
maneira razoavelmente coerente, determinadas
hipóteses e proposições que dêem uma certa
consistência analítica aos eventos observados5.
Nesse sentido podemos, numa “primeira
aproximação”, utilizar para definir o que
entendemos por conjuntura e “análise de
conjuntura” no presente texto uma expressão
que o cientista político greco-francês Nicos
Poulantzas utilizava de maneira bastante
inadequada para definir o Estado em geral, e/ou
o Estado Capitalista em particular, em alguns de
seus textos: uma determinada conjuntura
política pode ser definida como a “condensação
das relações de força” entre os diferentes atores,
grupos e instituições sociais que interagem e
convergem para a produção de um dado
fenômeno ou acontecimento político. E o
trabalho do analista de conjuntura consiste
justamente em tentar captar as linhas de força e
tendências fundamentais necessárias para
explicar tais acontecimentos, via de regra
concentrados no tempo (uma revolução, uma
crise política, uma gestão de governo ou,
mesmo, um processo eleitoral, dentre outros
inumeráveis fatos políticos que podem ser
objeto de uma “análise de conjuntura”).
Assim, uma “conjuntura” pode ser
entendida como um evento ou processo
histórico nos quais se “condensam”
determinadas linhas de força fundamentais para
a produção de um fato político, cuja apreensão
depende, em grande parte, além do quantum de
informações acumuladas por cada observador
5 Os melhores exemplos desse último tipo de “análise de
conjuntura”, dos quais se pode ¾ diga-se de passagem ¾ extrair
muitos elementos interessantes para o estudo propriamente
científico das conjunturas políticas, são as que se encontram nos
melhores sites de análise e comentários políticos do dia-a-dia, tais
como os sites “Política Brasileira”
(http://www.politicabrasileira.com.br/) e “Congresso em Foco”
(http://congressoemfoco.ig.com.br/), ou o portal Nueva
Mayoria (http://www.nuevamayoria.com/ES/), todos muito
informativos e dedicados à análise e comentários dos chamados
“fatos e notícias” do quotidiano político. Não por acaso, os
melhores web sites de análise política são justamente aqueles que
contam com (i. e., contratam sob remuneração regular e
compatível com a qualificação dos serviços prestados por tais
profissionais) cientistas políticos de profissão em suas fileiras.
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4
sobre o fenômeno em tela, da natureza dos
esquemas analíticos utilizados pelo
pesquisador para selecionar e organizar tais
informações. E o esforço do analista de
conjuntura consiste justamente em apreender,
seja de uma maneira parcial (através da análise
de um aspecto específico da realidade), seja de
forma mais abrangente (através do estudo das
formas de articulação e interação recíproca
entre vários aspectos da realidade que
concorreram para produzir tais fatos políticos),
as linhas de força fundamentais que atuam na
determinação dos eventos ou processos
históricos examinados.
Portanto, a análise de conjuntura, tal
como a entendemos no presente texto, não se
reduz a um comentário aleatório sobre os
“fatos do quotidiano político”, mas implica na
operacionalização (consciente ou
inconsciente) de determinados modelos
analíticos ou esquemas explicativos por parte
do analista político, ou seja, numa tentativa,
por mais elementar que seja, de estruturar
analiticamente tais fatos e processos. Ou por
outra: aquele procedimento analítico que o
filósofo francês Louis Althusser, em um texto
intitulado Sobre o Trabalho Teórico
(ALTHUSSER, 1978: 24 e passim),
qualificava como “realizar”, ou seja, de
concretizar, em termos práticos e “aplicados”
(desenvolvendo-o e retificando-o), um
determinado esquema teórico para explicar um
acontecimento ou uma série de
acontecimentos (i. e. um processo)
relativamente localizados e “concentrados” no
tempo6.
6 Nesse sentido, corroboramos inteiramente as afirmações de
Fábio Wanderley Reis na passagem abaixo, embora discordando
do ceticismo por ele demonstrado quando à constituição de
“análises de conjuntura” como um ramo específico da ciência
política: “Isso é parte, me parece, de uma maneira de entender o
que seria o trabalho de uma disciplina como a ciência política,
em contraste como a atividade jornalística ou eventualmente
historiográfica. O empenho é o de estruturar os eventos da
conjuntura analiticamente e eventualmente com respaldo
empírico adequado. Eu não acredito em ‘análise de conjuntura’
como um tipo especial de trabalho, também a análise de
conjuntura tem de estar enquadrada teoricamente, esta é a única
maneira de você estruturar analiticamente aquilo que se passa no
dia-a-dia. Do contrário, você está exposto a ficar
permanentemente à deriva, a ficar correndo atrás dos eventos.
Acho inclusive que muito do que se faz na ciência política como
disciplina acadêmica, que supostamente deveria ter essa
Apenas a título de ilustração podemos
enumerar, como exemplos “clássicos” de
análises de conjuntura no sentido aqui dado à
expressão (ao contrário de uma mera “crônica
dos acontecimentos presentes”, comentários
ligeiros de acontecimentos políticos do dia-a-dia
e outros tipos de narrativas políticas, destituídas
de tratamento propriamente analítico) alguns
textos fundamentais do pensamento político,
tais como As lutas de classe em França e 18 de
Brumário de Louis Bonaparte, de Marx, onde se
“realiza” de maneira complexa (i. e.,
retificando-se algumas proposições-chave e
conservando-se/confirmando-se outras) o
esquema analítico elaborado pelo autor em suas
obras anteriores de teoria política e/ou de teoria
social (MARX, 1982); As lembranças de 1848 e
O Antigo Regime e a Revolução, de Alexis de
Tocqueville, onde é “realizado” ou concretizado
em termos práticos um determinado esquema
teórico cujos princípios fundamentais foram
elaborados pelo próprio Tocqueville em A
Democracia da América (TOCQUEVILLE;
1982; 1991; 1996); textos tais como Parlamento
e governo numa Alemanha reordenada, e as
análises políticas de Max Weber sobre a
Revolução Russa e outros eventos políticos do
período, onde são operacionalizados alguns
princípios teóricos de sua sociologia política
“compreensiva” para explicar as causas da
emergência da Revolução Russa ou os cenários
possíveis colocados à reorganização do sistema
político alemão após a derrota da Alemanha na I
Guerra Mundial (WEBER, 1997; BEETHAM,
1979); A revolução Russa, de L. Trotsky, onde
se “realizam” alguns princípios teóricos
enunciados em sua “teoria do desenvolvimento
desigual e combinado” formulados por ocasião
de sua análise da Revolução de 1905
(TROTSKY, 1978; 1985); as análises de
Raymond Aron e Alain Touraine sobre o
movimento de Maio de 68, onde também são
“realizados” alguns princípios teóricos gerais
expostos pelos autores nas respectivas
preocupação estruturante, analítica e teórica, acaba sendo essa
perseguição meio resfolegante aos eventos” (KASSAB & REIS,
2005). Tentativas facilmente acessíveis ¾ embora ainda
embrionárias ¾ de formalizar os requisitos necessários para a
formulação de “análises de conjuntura” por parte dos cientistas
sociais são os trabalhos de ALVES & FAVERSANI (2002) e
HARNECKER (2002).
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5
sociologias políticas (ARON, 1968;
TOURAINE, 1968); e, especialmente, para os
fins da presente análise, A crise das ditaduras,
de Nicos Poulantzas, onde este autor busca
“aplicar/retificar”, de maneira nem sempre
coerente do ponto de vista lógico,
determinados princípios teóricos enunciados
em obras anteriores (POULANTZAS, 1976;
1978; 1986).
Todos esses são exemplos clássicos de
análises de conjuntura pois,
independentemente do referencial teóricometodológico
e/ou das inclinações políticoideológicas
de seus autores, todos eles buscam
“estruturar analiticamente aquilo que se passa
no dia-a-dia”, ou seja, organizar os fatos
políticos em torno de hipóteses e esquemas
explicativos que demandam uma leitura
“analiticamente carregada” da realidade
política, e não um mero comentário ligeiro ou
a produção de mais uma narrativa sobre os
fatos políticos quotidianos.
Ao lado desses exemplos de análises
de conjuntura em algumas obras “clássicas”,
por assim dizer, da ciência e da teoria
políticas, podemos mencionar também, ainda à
título de ilustração do que temos em mente
quando empregamos tal expressão, outro
conjunto de obras.
Para o caso do processo político
brasileiro propriamente dito podemos citar,
como bons exemplos de análises de conjuntura
disponíveis, cuja leitura pode ser útil para
inspirar o analista político em busca de
parâmetros para avaliar e inspirar suas
próprias abordagens, trabalhos tais como o de
Armando Boito Jr. sobre a crise política que
redundou no suicídio de Vargas em agosto de
1954, onde o autor busca “realizar” princípios
teóricos bastante semelhantes ao que
buscaremos concretizar neste texto(BOITO
JR., 1982); de Argelina Cheibub Figueiredo
sobre o golpe de 1964, onde a autora busca
concretizar a problemática da chamada
“escolha racional” para explicar as alternativas
políticas colocadas às forças que participaram
do processo político que redundou no golpe de
1964 (FIGUEIREDO, 1993), as coletâneas de
ensaios de Fábio Wanderley Reis sobre a
conjuntura brasileira dos anos 90 (REIS, 2004),
de Florestan Fernandes sobre o processo de
transição política para a “Nova República”
(FERNANDES, 1985), dentre outras
abordagens que buscam articular a interpretação
de aspectos gerais e parciais de diferentes etapas
de desenvolvimento do sistema político
brasileiro. Num plano mais próximo à
economia, mas que também se relaciona com a
ciência política, podemos mencionar a série de
trabalhos de Jorge Vianna Monteiro
(MONTEIRO, 1997; 2001), onde este autor
busca apreender diferentes aspectos das relações
entre “Economia” e “Política” na recente
conjuntura brasileira, a partir da perspectiva da
“public choice” 7.
Esse inventário, naturalmente, não
pretende ser exaustivo, e muito menos queremos
afirmar que o eventual “analista de conjuntura”
deva se sentir frustrado caso não produza
estudos de natureza análoga ao dos acima
citados. Pretendemos apenas mencionar alguns
textos que podem ser tomados como bons
exemplos e tentativas bem-sucedidas de
“análises de conjuntura” no sentido dado aqui a
este termo, vale repetir, da apreensão
analiticamente estruturada das linhas de força
mais importantes para a ocorrência de um fato
ou processo político qualquer, e não uma mera
narrativa descritiva ou tomada de posição
“normativa” (sic.) em relação a um evento
político, muito menos a apresentação de
resultados de estudos especializados de natureza
monográfica, sem a preocupação em relacionálos
com processos políticos mais abrangentes.
Os estudos acima citados se diferenciam de
abordagens meramente monográficas ou de
outras modalidades de apresentação de
7 Não por acaso, muitos destes trabalhos são coletâneas de textos
reunindo análises de aspectos parciais do processo político
elaboradas ao longo de um período razoavelmente longo de
tempo, mas que redundam na produção de uma visão abrangente e
minimamente estruturada dos fatos políticos observados. O que
não significa afirmar também que apenas estudos sistemáticos
desse gênero possam ser considerados “análise de conjuntura”. Ao
contrário, é plenamente admissível que estudos isolados e de
aspectos parciais da realidade política também sejam ou se
esforcem por ser “analiticamente orientados”. Talvez o melhor
exemplo deste último tipo de abordagem sejam os estudos
publicados nos quarenta e poucos volumes dos Cadernos de Análise
de Conjuntura, editados pelo CEVEP, da FAFICH/UFMG:
http://cevep.ufmg.br/ (site fora do ar em agosto de 2006).
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6
resultados de pesquisa, justamente porque
procuram articular resultados parciais
produzidos por determinados ramos da ciência
política, para a elaboração de hipóteses
explicativas razoavelmente articuladas sobre
os eventos ou processos políticos de natureza
mais ampla que ocorrem num momento
histórico qualquer.
Nesse sentido, as análises de
conjuntura são exercícios de grande
importância para o teste “empírico” de
determinados paradigmas explicativos,
inclusive porque exigem a articulação de
elementos teóricos parciais de várias
disciplinas ou ramos da ciência política.
Advém daí também o alto grau de dificuldade
das análises de conjuntura, pois o analista
político que as elabora é obrigado a articular,
num modelo razoavelmente coerente,
elementos parciais de vários ramos e
disciplinas da análise política e das ciências
sociais (sociologia dos grupos; processo
eleitoral; processo decisório; instituições
políticas; teoria dos partidos políticos; teoria
do Estado etc.), bem como a trabalhar
simultaneamente em várias frentes de coleta
de dados empíricos ou, pelo menos, a
combiná-las num todo analítico razoavelmente
integrado, que lhes possibilite inclusive fazer
inferências de natureza mais geral, mesmo
quando examina um aspecto “parcial” ou
segmentado de determinado acontecimento
político.
III) Objetivos e referencial teóricometodológico.
Isto posto, podemos apresentar alguns
objetivos das considerações efetuadas a seguir,
coerentes com os balizamentos expostos no
item anterior. São eles: (i) Em primeiro lugar,
apresentar alguns elementos teóricometodológicos
para uma análise de conjuntura
empreendida sob uma ótica “poulantziana”.
“Poulantziana” porque consideramos que as
contribuições efetuadas por este autor ainda
são estimulantes para a elaboração de análises
políticas e, além disso, contêm idéias que
permanecem válidas e fecundas para se analisar
a conjuntura política brasileira; (ii) Em segundo
lugar, buscaremos aplicar estas idéias na análise
do governo Lula e do momento político
brasileiro adjacente às eleições de 01 de outubro
de 2006, seu contexto imediatamente anterior,
assim como a alguns de seus desdobramentos
possíveis.
Nas linhas abaixo, nos esforçaremos por
cumprir estas duas promessas ou metas bem
pouco eleitorais.
Antes de avançarmos na aplicação desse
esquema teórico e dessas idéias gerais à análise
da conjuntura recente, convém enumerarmos o
que consideramos ser as três principais
contribuições feitas por Nicos Poulantzas para a
análise política (seus pontos fortes) e que
consistirão no ponto de partida de nossa
abordagem8. Segundo nosso ponto de vista, são
as seguintes as principais contribuições
efetuadas pelo autor à análise política
propriamente dita, e que se constituem em bons
pontos de partida para a reflexão sobre a
dinâmica de funcionamento dos sistemas
políticos capitalistas em geral, e sobre a atual
conjuntura política brasileira em particular:
(i) Inicialmente, devemos destacar sua
definição de modo de produção em geral
como uma articulação entre estruturas,
responsável pela geração de um padrão
de funcionamento e de reprodução das
diversas formações sociais segundo o
princípio da interação recíproca entre
instituições sociais que se desenvolvem
dentro dos limites fixados por uma dada
8 Esse esforço de explicitação, aparentemente trivial e
desnecessário, justifica-se porque, a nosso ver, boa parte, senão a
imensa maioria, dos comentadores da obra de Poulantzas tratam
de maneira superficial tais pontos, preferindo deter-se no conceito
teoricamente nebuloso e pouco consistente de “autonomia
relativa” e outros aspectos da obra poulantziana que apresentam
pouco rendimento analítico. Os exemplos desse tratamento
superficial da obra do analista político greco-francês poderiam ser
multiplicados. Mencionaremos aqui, apenas à título de exemplo, os
trabalhos de CARNOY (1990), PRZEWORSKY (1995), os quais
não aprofundam estes pontos, a nosso ver fundamentais para a
compreensão da abordagem “poulantziana”. Por outro lado, para
uma visão mais aprofundada das contribuições substantivas deste
autor, mais próxima ¾ embora não inteiramente convergente ¾
da adotada neste texto, cf. os vários trabalhos de SAES (1998;
2001), em cujas análises sobre o processo político brasileiro
também nos apoiaremos nas considerações feitas a seguir.
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7
totalidade ou sistema social qualquer
(escravista, feudal, capitalista, socialista
etc.). Tal premissa teórica permite
estabelecer um diálogo estimulante e
fecundo desta abordagem com outras
grandes problemáticas teóricas
originárias no ambiente acadêmico
burguês do século passado, que
conservam o princípio da interação
recíproca entre sub-estruturas como um
princípio-chave para explicar o
funcionamento e a reprodução das
diferentes sociedades, tais como, por
exemplo, o normativismo jurídico de
Hans Kelsen e o estruturalfuncionalismo
de Talcott Parsons;9
(ii) Em segundo lugar, podemos
mencionar, apenas com o fito de
explicitar algumas das premissas
teóricas que operarão na análise feita a
seguir, os conceitos de Estado
capitalista e de burocratismo,
intrinsecamente relacionados, tal como
expostos de maneira sistemática na
abordagem inicial do autor10;
(iii) Por fim, podemos elencar, como a
terceira contribuição-chave de
Poulantzas à análise política, sua teoria
do bloco no poder, que consiste antes
de tudo num modelo teórico geral para
analisar os conflitos entre grupos
sociais relevantes, naquelas formações
sociais organizadas com base na
distribuição dos seres humanos em
estratos explorados e estratos
exploradores. Tal modelo teórico,
embora apenas esboçado e não
9 Tais pressupostos estruturo-interacionistas encontram-se
expostos em alguns textos fundamentais tais como A teoria geral
do direito e do Estado e a Teoria Comunista do Direito, no tocante ao
primeiro autor (KELSEN, 1955, 1998), e nas obras O Sistema
Social e Social Structure and Personality, no tocante ao segundo
(PARSONS, 1951, 1970). Para um visão do princípio simples da
“interação recíproca” como um dos principais elementos dessa
escola teórica, embora de uma perspectiva de um adversário da
obra poulantziana, cf. EASTON (1980).
10 O burocratismo é basicamente um padrão de organização do
aparelho administrativo do Estado capitalista que cria as
“condições de possibilidade” (motivacionais e normativas) para
a reprodução do sistema social capitalista num espaço territorial
qualquer, ou seja, numa determinada formação social. Nesse
sentido, cf. SAES (1998, passim.).
desenvolvido teoricamente nas várias
obras do autor, tem um elevado potencial
heurístico para a análise de conjunturas,
pois nos permite escapar da camisa de
força da chamada “análise de classes” e,
também, superar os limites de um
enfoque meramente “pluralista” dos
grupos e dos conflitos sociais, na medida
em que nos permite articular o estudo dos
fenômenos relacionados à
institucionalização dos conflitos entre
grupos, com os problemas referentes à
repercussão do comportamento de tais
grupos numa totalidade social mais
ampla, ou seja, apreender as funções
propriamente ditas das ações
desempenhas pelos diferentes atores num
sistema social qualquer. A idéia mais
simples de tal “teoria” é a de que existem
relações dinâmicas de hierarquização e de
dominação/subordinação política
inclusive no seio das classes exploradoras
cujos interesses são institucionalizados e
expressos nos sistemas políticos das
assim chamadas “sociedades de classe”11.
Consideramos que estes pilares da teoria
e da análise política poulantzianas permanecem
irrefutados, e algumas das suas implicações
podem ainda hoje ser aproveitadas com mérito
para o estudo de processos políticos nas
“sociedades de classe” em geral, não apenas nas
sociedades capitalistas.
Deve-se reiterar, uma vez mais, que o
próprio autor, em suas obras posteriores, não
extraiu de maneira consistente e teoricamente
fecunda as implicações da problemática teórica
por ele aberta em seus trabalhos iniciais (SAES,
1998). A esse respeito, devemos dar um passo
adiante em relação às afirmações anteriores e
esclarecer que uma das proposições centrais
subjacentes à presente abordagem é a de que
existem, na obra do próprio Poulantzas, uma
série de obstáculos teórico-metodológicos para a
análise “poulantiziana” de conjuntura, os quais
podem e devem ser removidos, caso se queira
11 Para uma ilustração desses conceitos de hierarquia e
subordinação entre estratos dominantes, bem como de algumas de
suas implicações políticas, cf. o instigante e empiricamente bemfundamentado
trabalho de Adeline Daumard (DAUMARD, 1985).
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8
fazer avançar esta problemática teórica. A
nosso ver, tais obstáculos, se superados de
maneira adequada, podem fazer com que suas
contribuições se convertam num referencial
interessante e produtivo para a análise
empírica de conjunturas, que sirva como
alternativa e que permita estabelecer um
diálogo produtivo com outras perspectivas de
análise existentes na ciência política
contemporânea.
E quais seriam estes principais “pontos
cegos” ou pontos fracos da análise política
“poulantizana” que, se forem adequadamente
equacionados, podem fazer com que o
paradigma por ele fundado se converta num
referencial fecundo e analiticamente
estimulante para o estudo de processos
políticos concretos e de determinadas
“conjunturas” políticas?
Podemos enunciá-los sumariamente
como segue:
(i) Poulantzas não desenvolve
instrumentos para explicar porque
pode haver uma variação entre os
diversos modelos de
desenvolvimento no processo de
funcionamento do diferentes modos
de produção em sociedades
concretas (ou seja, em formações
sociais). Por que isso ocorre, quais
as forças motrizes e os
determinantes desse fenômeno,
bem como suas implicações, são
pontos escassamente abordados em
suas obras. O próprio conceito de
modelo de desenvolvimento, não
chega a ser formulado teoricamente
de maneira sistemática pelo autor,
embora possamos dizer que esteja
presente “em estado prático” em
algumas de suas reflexões;
(ii) Poulantzas não desenvolve
instrumentos teórico-metodológicos
para explicar o significado dos
processos eleitorais para a
organização da hegemonia no bloco
do poder nos diferentes sistemas
políticos. Com efeito, o autor tende
a subestimar o significado desses
processos para a reorganização da
hegemonia política, associando tal
reorganização predominante ou
exclusivamente a processos de
ruptura institucional. Isso faz com
que os analistas políticos que se
inspiram neste paradigma fiquem
como que “paralisados” ou inermes
em relação a um dos principais
ramos da ciência política acadêmica,
que é o da análise dos processos
eleitorais, dos condicionantes da
formação das decisões de voto por
parte do eleitor, assim como da
influência de tais decisões no
desempenho do sistema político mais
amplo;
(iii) Por fim, o próprio autor não foi
capaz de desenvolver de maneira
sistemática, a partir de suas
formulações iniciais, instrumentos
teórico-metodológicos para analisar a
morfologia do processo decisório e
dos processos de formação e
implementação de agenda dos
Estados Capitalistas, e a maneira pela
qual tal processo repercute no
fracionamento ou nas clivagens de
certos segmentos das classes
dominantes, e como ele se relaciona
com a organização da hegemonia
política de determinados subgrupos
ou frações das classes dominantes
sobre outros12.
Deve-se esclarecer, por fim, que isso não
implica corroborar as afirmações segundo as
quais Poulantzas teria uma visão “mecanicista”
ou “hiperdeterminista” dos processos decisórios
nas sociedades capitalistas, que desconsidere,
por exemplo, os efeitos dos diferentes tipos de
recrutamento político na performance das
12 Em uma de suas últimas obras, Poulantzas chegou a abordar de
maneira sistemática esse ponto, qualificando o fenômeno da
distribuição desigual de poder e de influência entre os vários grupos
sociais “representados” e atuantes nas instituições no sistema
político em geral, e no aparelho de Estado em particular, através
da metáfora algo inadequada da distinção entre “poder real” e
“poder formal” (POULANTZAS, 1978: 82). “Inadequada” porque
o fato de um agente deter menos poder e/ou influência do que
outro não implica necessariamente que estes últimos sejam
“formais” e vice-versa.
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instituições políticas capitalistas, das diversas
modalidades de organização do processo
decisório na determinação dos resultados das
políticas governamentais, e assim
sucessivamente. Ao contrário, o autor afirma
clara e explicitamente que as diferentes
modalidades de recrutamento dos grupos ou
elites dirigentes, embora não afetem a
“natureza de classe” do Estado capitalista,
podem ter efeitos políticos significativos em
determinadas conjunturas e processos
políticos, bem como no desempenho das
instituições e nos processo de formulação e
implementação de políticas governamentais
(POULANTZAS, 1986: p. 333). Entretanto,
devemos admitir que ele não desenvolveu de
maneira sistemática estes pontos, o que gerou
um sem-número de intermináveis e pouco
produtivas “falsas polêmicas” em torno das
reais contribuições efetuadas pelo autor.
Devido à exigüidade do espaço,
estruturaremos a exposição em torno de três
proposições básicas sobre a atual conjuntura,
as quais buscam “realizar” os princípios
teórico-metodológicos acima enunciados.
Manipulando as premissas teóricas acima
elencadas e articulando-as às informações
empíricas que conseguimos obter sobre a cena
política brasileira, podemos derivar
logicamente algumas idéias que, por questões
de espaço, seremos obrigados a enunciar
esquemática e sinteticamente no item seguinte
na forma de “proposições básicas” referentes à
recente conjuntura político-eleitoral brasileira.
IV) Três proposições básicas sobre a
recente conjuntura político-eleitoral.
As proposições são as elencadas a
seguir, as quais buscam enunciar de maneira
condensada teses fundamentais sobre três
aspectos que consideramos mais relevantes de
serem compreendidos na atual conjuntura: a)
aqueles referentes ao comportamento do PT e
da equipe governamental no governo Lula e
alguns dos efeitos de tal comportamento no
sistema político brasileiro (“o PT mudou? Por
que? Qual a natureza de tal mudança?”); b)
aqueles referentes à configuração da correlação
de forças entre os grupos sociais no governo
Lula, especialmente entre os diferentes
segmentos das classes dominantes e respectivos
grupos-de-apoio (“o governo dos petistas é um
governo burguês? É um governo neoliberal?
Qual a relação desse governo com as massas
trabalhadoras?”); c) aqueles referentes às
alternativas políticas que se abrem a partir dos
efeitos conjugados produzidos por estes
fenômenos sobre as diferentes correntes
políticas em luta pelo poder governamental (“o
que esteve em jogo nestas eleições”? “Quais
seus desdobramentos previsíveis para o
funcionamento futuro do sistema político
brasileiro”?).
Podemos agora enunciar algumas de
nossas principais proposições.
Primeira proposição: o comportamento
do PT e da própria equipe de governo durante o
primeiro mandato do presidente Lula manifesta
simultaneamente fenômenos gerais,
relacionados à incorporação de partidos socialdemocratas
aos quadros de um Estado
capitalista ou burguês, e aspectos específicos,
referidos ao quadro institucional e ao contexto
sócio-econômico que estrutura a organização da
democracia capitalista no Brasil contemporâneo
e a organização do processo de governo neste
país. Não se pode ter uma compreensão
abrangente do “desempenho” do governo Lula
analisando-se apenas um de tais aspectos.
Portanto, aplicar esse esquema “poulantziano”
na atual conjuntura política implica abordar
duas ordens de problemas:
A) Inicialmente, devemos mencionar
fenômenos de natureza geral, relacionados à
integração de partidos social-democratas ou
trabalhistas num Estado capitalista e à chamada
“lógica do burocratismo burguês”, o que implica
a deflagração de um processo sociológico
“complexo” de adaptação e refração das
ideologias e dos valores das elites dirigentes
anteriormente vinculadas a um grupo social
“não-estatal” (no caso petista, de trabalhadores
manuais de grande indústria e de classe média
sindicalizados), para o novo status social de
“elite governante”, ocupante de cargos
governamentais estratégicos num Estado
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capitalista. E quais seriam estes fenômenos?
Enumeraremos sinteticamente alguns deles:
(i) Empreguismo e favoritismo na
ocupação de cargos públicos. Assim como
ocorre com outros partidos de esquerda que
optaram predominantemente por integrar-se
aos governos de países capitalistas e assumir
responsabilidades governamentais
(PRZEWORSKI, 1989), o partido pode tornarse
um meio de ascensão social para boa parte
dos dirigentes e militantes políticos,
especialmente daqueles setores que, seja por
sua origem social, seja pelo chamado “capital
cultural” acumulado ao longo de sua trajetória,
não logram fazer parte por seus próprios meios
(ou seja, através dos recursos intelectuais
herdados das famílias ou obtidos pelo esforço
individual) da chamada “nobreza de Estado”,
para utilizar a expressão empregada por
Bourdieu para designar os altos funcionários
públicos concursados e formados nas escolas
de “elite” dos países capitalistas (BOURDIEU,
1999).
Com efeito, estudos sobre
recrutamento político têm detectado uma
substancial variação patrimonial dos
parlamentares e dirigentes do partido, após a
ocupação de cargos burocráticos e eletivos,
especialmente após a vitória do PT nos
últimos pleitos eleitorais (RODRIGUES,
2006). Esse aspecto específico tem provocado
uma forte resistência nos meios políticos
conservadores, movidos em grande parte por
uma série de preconceitos elitistas e algo
ressentidos por verem um espaço políticoadministrativo
antes reservado e praticamente
monopolizado pela alta classe média com
formação universitária, ser ocupado por novas
elites dirigentes cujo principal “capital social”
acumulado são as redes de relações formadas
através da experiência organizativa obtida na
militância em movimentos sociais da mais
variada natureza, especialmente sindical13.
13 Infelizmente, ainda não foram disponibilizados dados sobre a
evolução patrimonial dos dirigentes e militantes de esquerda
(para não falar de outras correntes políticas) que ocupam cargos
comissionados nas várias esferas de poder do governo Lula,
embora alguns dirigentes petistas mais empolgados com a vitória
eleitoral de 2002 houvessem prometido disponibilizar tais dados
na internet, logo após a posse de Lula em seu primeiro mandato.
Não houvesse essa “colonização” de
certos ramos do aparelho de Estado por novas
elites dirigentes de origem sindical provocado
um evidente descolamento de renda e de status
social dos dirigentes em relação à massa de
militantes partidários, este fenômeno poderia
inclusive ser apontado como um dos aspectos
mais democráticos e igualitários da gestão
petista.
(ii) “Corrupção” eleitoral. O segundo
fenômeno político relacionado à incorporação
dos partidos de esquerda às “regras do jogo” da
democracia capitalista é o que a mídia
convencionou chamar de “corrupção eleitoral”,
ou seja, a gestão intransparente dos fundos
partidários e ao uso do chamado “Caixa 2” para
ocultar a verdadeira origem dos recursos
arrecadados pelos partidos, especialmente os
utilizados durante a campanha eleitoral. Tal fato
está estritamente associado à história do PT ao
longo dos anos 90 e com a concepção
predominante das cúpulas partidárias,
especialmente na facção hegemônica nas
instâncias dirigentes da agremiação, de engajarse
numa estratégia de conquista a curto prazo do
poder governamental através da vitória em
eleições presidenciais, tendo por base os
resultados de gestão apresentados (bem como a
experiência acumulada na arrecadação de
recursos) em unidades subnacionais de governo
(SAMUELS, 2004). Trata-se de fenômeno até
certo ponto comum de ocorrer em democracias
avançadas, mesmo com partidos socialdemocratas
extremamente estruturados do ponto
de vista organizacional, e não de fenômeno
especificamente brasileiro ou mesmo de
economias periféricas, embora ocorra com graus
variáveis de intensidade nos vários sistemas
políticos. Isso decorre do fato de que, em uns
como em outros, os partidos precisam de
recursos financeiros de porte para serem
eleitoralmente “competitivos” (ou seja, para
financiar as grandes campanhas eleitorais e para
ter acesso à grande mídia capitalista), o que
termina abrindo brechas para a criação de
esquemas “alternativos” e intransparentes de
captação de recursos, tanto de origem privada
quanto governamental, embora o contexto
eleitoral brasileiro de voto personalizado com
eleições de lista “aberta” e com partidos
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“fracos” na arena eleitoral, tenda a agravar
ainda mais o problema da intransparência da
arrecadação e do uso de recursos por parte dos
partidos políticos (SAMUELS, 2005).
(iii) Perda do democratismo operário
inicial. O partido passa a ser uma
“organização burocrática” no sentido
weberiano do termo, fora do controle estrito
das classes trabalhadoras e sob a hegemonia
de elites dirigentes que tendem a se reproduzir
em seus cargos e a criar mecanismos que os
subtraiam do controle político da massa de
militantes partidários14. Esse democratismo
passa apenas a fazer parte do passado e do
estoque de experiências simbólicas construídas
para formar a identidade da organização e dos
dirigentes partidários15;
(iv) Criação de uma nova clivagem
política (ou seja, de um novo princípio de
fracionamento) no seio das classes
dominantes: determinados setores da classe
dominante, diante da perspectiva de vitória
eleitoral da esquerda, e tendo em vista as
próprias políticas governamentais anunciadas
pelos dirigentes de tais partidos visando a
conquistar o apoio empresarial e burocrático
para a “governabilidade”, aderem ao “governo
dos trabalhadores”, inclusive participando
diretamente das equipes governamentais16. Ou
seja: a existência de um partido socialdemocrata
com capacidade governativa
14 Esse fenômeno foi descrito de maneira pioneira na ciência
política pelo trabalho clássico de Robert Michels, influenciado
pela problemática das elites, um enfoque bastante diferente
daquele derivado do conceito de burocratismo. A contraface
propriamente econômica dessa assimilação de partidos socialdemocratas
de origem trabalhista à lógica da gestão
governamental capitalista, é sua adaptação à lógica propriamente
econômica do Capitalismo (PRZEWORKI, 1989), embora
ambos os processos estejam longe de ser simultâneos. Uma
tentativa pioneira de sugerir alguns antídotos contra a suposta
“lei de ferro” das oligarquias, do ponto de vista da sociologia das
organizações, encontra-se no magnífico conjunto de ensaios de
MERTON (1979: especialmente pp. 124-143).
15 Para uma descrição não-sociológica de qualidade literária
bastante duvidosa de todo esse processo, cf. o recém-publicado
livro de BETTO (2006). Deve-se observar entretanto que,
devido ao contexto histórico de suas formação, o PT apresenta
tais características com menos intensidade que outros partidos
social-democratas, incorporando alguns mecanismos vigentes
nas democracias parlamentares em suas instâncias internas de
deliberação (SAMUELS, 2004).
16 Este processo é descrito de maneira meticulosa, para o caso
brasileiro, nos trabalhos de DINIZ (2004; 2005).
implica na criação de uma nova clivagem no
seio das classes dominantes: surge um segmento
burguês mais progressista que apóia as medidas
distributivas dos futuros “social-democratas” no
poder, integrando-se aos governos de esquerda.
Todos esses fenômenos mais ou menos
acompanharam ¾ em graus e a títulos diversos,
deve-se sublinhar ¾ a integração de partidos
social-democratas às regras do jogo da
democracia parlamentar e da organização
burocrática dos Estados capitalistas ao longo do
século XX, e foram a contrapartida do ganho de
“eficiência” (se avaliado pelos parâmetros
social-democratas) de tais partidos na gestão da
máquina governamental e da execução de
políticas bem-sucedidas de redistribuição de
renda e patrimônio em alguns países
capitalistas, especialmente aqueles que foram
bem-sucedidos em suas estratégias distributivas
tendo por base o intervencionismo estatal
centralizado.
No caso brasileiro, deu-se, entretanto,
que o candidato Lula não ganhou as eleições
com a intenção explícita e declarada de
implantar uma espécie de “Welfare State”
periférico, mas sim uma visão até certo ponto
conservadora de um modelo de
desenvolvimento que vem sendo qualificado
acertadamente por alguns autores como “socialliberal”,
para empregar noutro contexto a
expressão utilizada por Bresser Pereira
(BRESSER-PEREIRA, 2005). Esse fato, ao
menos numa primeira etapa, intensificou ainda
mais o processo de aproximação de segmentos
importantes do empresariado com o governo
Lula, inclusive do setor financeiro, na medida
em que este excluiu de suas propostas de
governo qualquer “choque distributivo” que
implicasse num confronto direito com
determinados interesses corporativos
empresariais de curto prazo, especialmente
bancários.
Ora, todo o problema reside justamente
no fato do governo Lula ter arcado com os ônus
da integração de um partido de esquerda num
Estado Capitalista (ao se envolver na lógica
eminentemente burocrática e intransparente dos
sistemas políticos capitalistas) sem os
significativos benefícios obtidos na qualidade de
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vida e na politização das classes trabalhadoras
pela social-democracia dos países capitalistas
centrais. Ou seja: o governo Lula está longe de
sinalizar a implantação um Estado de Bem-
Estar no Brasil e instituir, para os diferentes
segmentos das classes trabalhadoras
organizadas, os substanciais ganhos políticos e
econômicos obtidos pelos trabalhadores dos
países centrais do sistema capitalista,
especialmente naqueles onde existe uma
poderosa social-democracia (PRZEWORSKI,
1989).
A nosso ver, esse fato deve ser levado
em conta para explicar a “decepção” que o
governo Lula causou em amplos segmentos
das classes trabalhadoras organizadas
brasileiras e em certos setores da esquerda,
especialmente da chamada “classe média
democrática” e também devem ser relevados
para uma avaliação do desempenho de seu
primeiro governo. Ou seja: houve um
ingrediente adicional na cena política
brasileira recente além da mera pressão e do
uso da tradicional “estratégia de bloqueio e
desgaste” da oposição conservadora e de
centro-direita a partidos situados à esquerda do
espectro ideológico e ao enfrentamento da
“herança maldita” dos anos FHC, que é o da
passividade e falta de mobilização da chamada
“militância” política, bem como o
descolamento dos simpatizantes da órbita de
influência do Partido dos Trabalhadores. Isso
talvez possa ser explicado pelo desencanto,
gerado em setores significativos da militância
petista e de esquerda em geral, pela ausência
de iniciativas substantivas visando a
implantação de um Estado de Bem-estar no
Brasil, ao menos no primeiro mandato Lula.
B) Além disso, devemos chamar a
atenção para aspectos específicos,
relacionados à vitória eleitoral de um partido
de esquerda no contexto atual brasileiro e a
certas peculiaridades que o contexto
socioeconômico e o quadro institucional
democrático brasileiro imprimem a essa
vitória. E aqui podemos destacar fenômenos
políticos de natureza distinta, tais como:
(i) O candidato Lula ganha as eleições
num contexto em que boa parte dos partidos
social-democratas do capitalismo central
transforma-se em “social-liberais”, para usar a
já citada expressão empregada por Bresser
Pereira noutro contexto analítico (BRESSER
PEREIRA, 2005)17. Além disso, vence o pleito
após a crise de sucessivos governos neoliberais
que implantaram estratégias sistemáticas e
deliberadas de desmonte e fragilização
financeira do Estado brasileiro, que tornaram a
economia brasileira ainda mais vulnerável e
dependente aos interesses do capital financeiro.
Todos estes fatos fizeram com que houvesse
uma progressiva aproximação de segmentos do
grande empresariado brasileiro com o PT,
especialmente durante o último biênio do
segundo mandato FHC, quando se tornaram
mais patentes os pesados efeitos negativos das
políticas econômicas executadas em anos
anteriores (DINIZ, 2005). Daí que o PT no
poder tenha implantado não um programa
social-democrata no sentido estrito do termo (ou
ao menos tomado decisões que indicassem uma
clara estratégia nesse sentido), mas uma espécie
de terceira via periférica que fez com que ele se
convertesse num partido de cunho mais
“burguês”, representante de segmentos
empresariais da chamada “burguesia interna”
brasileira (inclusive bancária), preocupado com
a “governabilidade” e com a estabilidade dos
investimentos privados, do que propriamente
trabalhista, voltado à defesa ferrenha dos
interesses corporativos e para um aumento
linear da qualidade de vida e de ampliação da
cidadania social de segmentos organizados da
classe trabalhadora que constituíam sua base
política original. Como observado por vários
analistas, esse fato provocou uma intensa
aproximação de segmentos empresariais
“desenvolvimentistas” e vinculados ao
agrobussiness com o governo Lula,
especialmente nos dois primeiros anos de
governo, e o conseqüente afastamento do
partido em relação às demandas de
determinados setores que faziam parte de sua
17 Uma minuciosa enumeração das dificuldades colocadas à
implementação de medidas efetivamente “social-democratas” por
governos de centro-esquerda logo após a vitória eleitoral,
especialmente em países da periferia do sistema capitalista com as
características socioeconômicas e institucionais da formação social
brasileira, na atual etapa de desenvolvimento capitalista, encontrase
em REIS (2005).
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base social de origem, mormente aqueles
segmentos da classe média sindicalizada
vinculados ao setor público (DINIZ, 2005;
MARQUES, 2006).
(ii) O segundo aspecto está relacionado
às decisões estratégicas tomadas pela cúpula
dirigente petista para resolver os “dilemas” do
presidencialismo pluripartidário brasileiro18 e
para gerenciar a coalizão governista, num
contexto institucional onde raramente se
formam “governos partidários” no sentido das
democracias parlamentaristas européias. Como
demonstram alguns analistas (PEREIRA,
POWER & RAILE, 2006)19 a estratégia de
gestão da coalizão do governo Lula seguiu um
padrão diferente daquele adotado pelas
cúpulas governantes durante a presidência
FHC, especialmente em seu segundo mandato.
No governo Lula, a presidência adotou
“ferramentas” diferentes de gerenciamento da
“coalizão” governista, organizando uma
equipe governamental mais heterogênea do
ponto de vista partidário e ideológico, com
alto grau de concentração de petistas nos
ministérios mais importantes (baixo grau de
“coalescência”), e mantendo a disciplina
partidária através da execução de emendas
orçamentárias para partidos mais próximos ao
núcleo dirigente petista, utilizando ainda
meios não convencionais para cooptar
18 Devidos basicamente à coexistência entre as lógicas
“majoritária” e “consocional” no sistema político brasileiro, o
que faz com que os presidentes eleitos, especialmente aqueles
com plataforma eleitoral de centro-esquerda, via de regra não
obtenham maioria no Congresso. Isso impede a existência de
governos rigorosamente partidários, nos moldes dos vigentes em
algumas democracias parlamentaristas européias (AMORIN
NETO, 2006) o que , embora não gere necessariamente crises
de “paralisia decisória” (problemas de governabilidade no
sentido forte do termo) como têm insistido alguns analistas
(LIMONGI, 1999; 2006), é um dos principais obstáculos à
institucionalização de partidos esquerda de massa no Brasil e à
conseqüente sustentabilidade de longo prazo de políticas
radicalmente distributivas, daí que isso afete a chamada
“qualidade das políticas” ou a “governabilidade no sentido
fraco”, da qual a crise de governo acima mencionada é um
exemplo. Não é nosso objetivo adentrar, numa singela nota de
rodapé, no profícuo debate acerca do quadro institucional
brasileiro a partir da elaboração da constituição de 1988. Para
uma visão das principias posições a respeito, cf. o texto básico
de Vicente Palermo (PALERMO, 2000).
19 Cf. o sugestivo “paper” de Power et. al. (2006). Disponível
em:
http://200.186.31.123/ABCP/cadastro/atividade/arquivos/25_
7_2006_12_19_34.pdf
parlamentares mais distantes deste núcleo
dirigente.
Por sua vez, as causas dessa opção
estratégica devem ser buscadas, a nosso ver, na
maneira pela qual as novas elites dirigentes
petistas resolveram os “dilemas” inseparáveis à
gestão de governo no “presidencialismo de
coalizão” brasileiro (ABRANCHES, 2003),
especialmente o difícil trade-off entre
fortalecimento e consolidação do partido do
governo, e a distribuição de fatias de poder por
ocasião da formação de equipes
governamentais. Optou-se pela montagem de
uma “coalizão fisiológica” de governo através
da cooptação de parlamentares de partidos mais
fisiológicos (PP, PTB, PL), e não na montagem
de uma coalizão “programática” (ou seja,
baseada na negociação de aspectos substantivos
da agenda governamental) com o PMDB,
conforme queriam alguns setores ligados ao
chefe da Casa Civil, José Dirceu, no início do
mandato, provavelmente devido ao receio dos
impactos que essa transferência de fatias
substantivas de poder ao PMDB ocasionaria na
chamada militância petista e no interior do
partido.
O paradoxal dessa estratégia foi que ela
foi implementada não para aplicar um programa
social-democrata ou mesmo
“neodesenvolvimentista”, como poderiam
esperar, por exemplo, aqueles observadores que
tomavam ao pé da letra a atuação dos
parlamentares do partido no Congresso ¾ e não
as estratégias e opções políticas efetivamente
implementadas por aqueles que detinham o
controle dos núcleos dirigentes da organização
¾, mas sim uma tímida (em comparação com
as expectativas geradas em setores mais
organizados das classes trabalhadoras quando da
vitória presidencial) plataforma “social-liberal”.
Outro elemento paradoxal foi o de que a crise da
coalizão de governo e de sua base parlamentar
tem sua origem remota justamente na decisão da
cúpula petista de promover uma “guinada à
esquerda”, com o patrocínio da candidatura de
Luís Eduardo Greenhald para a presidência da
Câmara dos Deputados, processo que, devido
basicamente às divisões no PT após a derrota
das eleições municipais de outubro de 2004 em
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seu estado natal (que motivou o lançamento da
candidatura de Virgílio Guimarães para a
presidência da Câmara), redundou na eleição
de Severino Cavalcanti para a presidência da
Câmara dos Deputados e no subseqüente
esfacelamento da base de apoio no Congresso.
O frágil gerenciamento da base
governista, já anteriormente evidenciado com
a perda da presidência da Câmara, fortaleceuse
ainda mais com as denúncias de Roberto
Jefferson acerca do funcionamento do
“mensalão”, ou seja, da compra pura e simples
de votos e apoio parlamentar para a
manutenção da base fisiológica na Câmara dos
Deputados. A reação algo aloprada da cúpula
dirigente petista e dos chamados “operadores”
do governo às denúncias, renunciando em
cadeia aos cargos antes de qualquer prova ou
evidência tangível ter sido apresentada pelos
acusadores, ao invés de apelar à militância
política para reagir às chantagens da base
corrompida, apenas reforçou o impacto e a
credibilidade das denúncias assim como a
crise interna do partido. E a questão da
corrupção ou das acusações de corrupção no
governo Lula relaciona-se justamente ao tipo
de estratégia de gerenciamento da coalizão
escolhida pela cúpula petista.
Pois bem, foram justamente as
implicações de todos estes fatores no partido e
na base governista que abriram a possibilidade
da emergência de uma terceira alternativa
política, em conseqüência da crise de governo
do PT: referirmo-nos ao surgimento de uma
espécie de “proto-populismo socialdemocrata”
de esquerda representado pela
candidatura presidencial de Heloísa Helena, e
pela organização do PSOL. Retomaremos esse
ponto adiante. Por ora, nos basta sublinhar o
fato da existência de uma “dissidência
parlamentar social-democrata” dentro do seio
de governos e partidos políticos de origem
social-democrata, é um fato a nosso ver
possibilitado pelas peculiaridades do contexto
brasileiro, onde a crise política de governos
“social-liberais” se dá por uma dinâmica
interna própria, e não devido a fortes pressões
políticas do campo conservador, em grande
parte atraído para a órbita de influência do
governo Lula.
Podemos agora enunciar nossa segunda
proposição.
Segunda proposição básica: embora
tenha vários pontos em comum com o governo
FHC, especialmente no tocante à continuidade
de alguns aspectos da política econômica, o
governo Lula apresenta certas peculiaridades em
relação a este governo ou a esta corrente política
que, sob o aspecto estritamente político,
justifica afirmarmos que houve uma
reorganização do bloco no poder nesse período,
ocasionada pela vitória de Lula nas eleições e
pela subseqüente redistribuição de poder entre
os diferentes ramos ou instituições do aparelho
de Estado em seu governo, com a redefinição
das posições relativas no interior do aparelho de
Estado entre diversos segmentos dos grupos
dirigentes “representativos” das diversas forças
sociais em pugna, e os conseqüentes efeitos
produzidos na implementação das políticas
governamentais por tal redistribuição.
Alguns analistas têm chamado a atenção
para o fato de a configuração do bloco no poder
no governo Lula não ser uma mera repetição do
quadro observado durante o governo FHC
(BOITO JR., 2005a, 2005b). Entretanto, a nosso
ver não caracterizam adequadamente tal
inflexão, nem extraem corretamente todas as
implicações da mesma.
Como já observamos, o governo Lula
não é um governo “neoliberal associado” como
os governos FHC, mas a expressão de um
fenômeno político-ideológico mais profundo,
que atinge a esquerda em âmbito internacional,
que é a existência de uma orgânica corrente
social-liberal (BRESSER PEREIRA, 2005), que
adere aos valores do “livre mercado” com mais
intensidade, e recua na ambição de suas
políticas distributivas pela via do
intervencionismo estatal centralizado. Uma das
características dessa corrente reside na maior
ênfase na “estabilidade” do desenvolvimento
econômico capitalista (com respeito aos
“contratos”, especialmente os firmados por
governos anteriores com o sistema financeiro) e
na implementação de políticas
“compensatórias” para segmentos “excluídos”,
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embora longe de instaurar um Welfare State.
De resto, a natureza das políticas sociais do
governo Lula explica em parte a desilusão
causada por seu governo em correntes
partidárias (especialmente vinculadas ao
chamado “socialismo cristão” e ao
funcionalismo público) que alimentavam a
expectativa de que ele fosse instaurar um
modelo radicalmente social-democrata (menos
ajuste fiscal e mais gasto público para
assegurar direitos sociais para setores da classe
média e classe operária organizada), ou
mesmo alguma variante do
neodesenvolvimentismo nacionalista, como
ocorre em algumas esferas subnacionais de
governo, como é o caso de Roberto Requião
no estado do Paraná20.
Nesse momento da exposição podemos
colocar a seguinte indagação: por que o
governo Lula não implantou um Welfare State
após a vitória eleitoral, ou pelo menos não
emitiu claros sinais da intenção de implantar
tal estratégia num futuro próximo, seguindo à
risca seu programa partidário original? Penso
que esse fenômeno se relaciona tanto aos
fatores de ordem objetiva, relacionados à nova
fase de desenvolvimento econômico e
tecnológico das forças produtivas capitalistas
em escala global, que levaram ao surgimento
de uma orgânica e poderosa corrente “socialliberal”
mesmo nos países capitalistas
centrais21, assim como às características
político-ideológicas da facção hegemônica no
PT, ou seja, à chamada “articulação” e sua
adesão aos valores da estabilidade e da
“governabilidade” democráticas
(abstratamente consideradas), metas estas
20 Como observa Diniz (2005: 12) a demissão de Carlos Lessa do
BNDES, em novembro de 2004, marca a derrota irreversível
destes setores “nacional-desenvolvimentistas”, potenciais
“representantes” de uma eventual “burguesia nacional” no
governo Lula. Por outro lado, a desilusão de segmentos da classe
média com as políticas sociais do governo Lula foi tamanha que
alguns analistas chegaram a qualificar de “neoliberais” propostas
tais como a instauração de um sistema único de previdência
social, que assegurasse direitos sociais equivalentes a
trabalhadores dos setores público e privado. A esse respeito, cf.
MARQUES (2006).
21 Série de fatores que foram lapidarmente sintetizados por um
analista como conjuntura de “esfacelamento do Mito Burguês da
inevitabilidade da intervenção crescente do Estado nas
‘sociedades industriais modernas’” (cf. SAES, 1998: p. 187).
dificilmente compatíveis com a implementação
de uma série de decisões articuladas (ou seja,
uma estratégia) visando a implementação de um
WS no Brasil logo após a vitória nas eleições
presidenciais de outubro de 2002, mais um
pleito de natureza “plebiscitária” e organizado
em fracas bases partidárias conforme
determinado pela regras institucionais que
regulamentam as eleições no Brasil22.
Ora, foi justamente esse fato, no nosso
entender, que introduziu um ingrediente
adicional na última conjuntura política
brasileira, que fez com que o recente pleito
eleitoral, ao menos no primeiro turno, não tenha
sido uma mera reprodução da polarização entre
“conservadores” e “social-democratas” (ou
“social-liberais”), tal como ocorre nas
democracias capitalistas (por ora)
“consolidadas” dos países capitalistas centrais23.
O fato de o primeiro governo de esquerda eleito
no Brasil por um partido de massas não ter
avançado na implantação de um WS, mas ter
capitulado a setores das classes dominantes
autóctones e às agências financeiras
internacionais implantando um programa
“social-liberal” conservador, faz com que se
abrisse uma possibilidade adicional na última
conjuntura eleitoral, na medida em que o
alinhamento das políticas governamentais do
22 Como tem sido sublinhado por Oliveira em seus textos
(OLIVEIRA, 2006a, 2006b), é provável que a causa sociológica
mais imediata dessa mudança de comportamento das lideranças
petistas seja sua integração (individual e coletiva) dentro de
esquemas financeiros de acumulação de capital propiciados pelo
capitalismo globalizado brasileiro, especialmente Fundos de
Pensão e outras modalidades de gerenciamento de fundos
financeiros, que deu origem a uma espécie de burguesia bancária
de Estado de origem sindical (a “nova classe”), beneficiada pelos
esquemas de acumulação financeira propiciados pelo
endividamento interno do Estado brasileiro. Estaríamos assim
diante de um espécime específico de um fenômeno mais genérico
para o qual chamamos a atenção anteriormente: a mudança
qualitativa de status de lideranças das classes trabalhadoras devido
a sua integração na lógica do burocratismo burguês e o
conseqüente acesso às redes de relações que tornam tal aparelho
de Estado permeável aos interesses dos diversos subgrupos das
classes dominantes. Para o conceito de “permeabilidade”,
amplamente compatível com a problemática do burocratismo,
conferir os sugestivos trabalhos de Marques (1999; 2002).
23 É importante observar aqui que, mesmo nos casos onde houve
transformações de partidos originalmente social-democratas em
“social-liberais”, diferenças substantivas entre estas correntes
políticas e os “conservadores” ou burgueses-neoliberais continuam
a existir, tanto em nível da representação partidária, quanto ao
nível das múltiplas dimensões das gestões de governo. A esse
respeito, cf. (BOIX, 1998. Apud. REIS, 2005: p. 8).
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governo Lula com as diretrizes emanadas das
várias frações da burguesia interna brasileira
(grande capital bancário; grande capital
industrial), sem formulação explícita de
diretrizes partidárias anteriores nesse sentido,
tornou possível o surgimento de uma nova
alternativa política “orgânica” nesse pleito
eleitoral, mas cujos efeitos e desdobramentos
podem se fazer sentir em etapas futuras de
desenvolvimento do sistema político
brasileiro.
E aqui chegamos ao terceiro ponto de
nossa análise: as alternativas abertas aos
eleitores na última conjuntura político-eleitoral
brasileira.
Proposição 3: Caso as proposições
acima sejam plausíveis, podemos deduzir
delas que estivemos diante de três alternativas
políticas significativas no último pleito
eleitoral, e que tais alternativas expressaram as
forças sociais distintas que deram sustentação
política e “organicidade” a cada uma das
candidaturas.
Alternativa 1: Inicialmente, tivemos
um “neoliberalismo” de cunho mais
conservador, que ocupou o espaço da centrodireita
no espectro político brasileiro,
representado pela candidatura da coligação
PSDB-PFL e pelas forças sociais que lhe dão
sustentação e que gravitam em torno desse
núcleo dirigente. Os principais setores ou
segmentos sociais que deram sustentação a
essa candidatura, a nosso ver são os seguintes:
a) o capital financeiro internacional,
representado pelas autoridades financeiras
mundiais mais importantes e/ou por aqueles
economistas e técnicos ligados aos bancos e
gerenciadores de aplicações financeiras
vinculadas a essas agências; b) a maior parcela
ou a fração majoritária das classes dominantes
e da grande burguesia industrial “associadas”
brasileiras, que desejam a retomada do modelo
econômico anterior (forte retração do
intervencionismo estatal, “ajuste fiscal”;
desregulamentação do mercado de mão-deobra
e maior abertura da economia ao capital
estrangeiro), cuja implementação não se
consumou devido à crise cambial e à crise da
bancada governista na segunda metade do
governo FHC; c) segmentos da classe média
liberal-conservadora abastada subordinada
ideológica e economicamente ao setor privado
da economia, setores da “nobreza de estado”,
grande mídia conservadora pró-imperialista e
alinhada ao governo e ao modus vivendi norteamericanos,
e um apoio difuso em setores da
baixa classe média politicamente desorientados
em virtude das contínuas denúncias de
“corrupção” pela mídia (o chamado voto
“volátil”, via de regra decisivo em disputas
eleitorais equilibradas), assim como da “reação”
dos dirigentes petistas a tais denúncias.
Como tem sido sublinhado por vários
observadores, um dado novo para a explicação
do comportamento político desse bloco
conservador, situado à direita do espectro
político brasileiro, é que ele perdeu a base de
sustentação entre os mais pobres devido à
implementação e ao relativo sucesso de
programas tais como o Bolsa Família, e também
no seio de segmentos substanciais da própria
classe dominante brasileira, devido à
aproximação do governo Lula e dos petistas de
uma maneira geral com as frações mais
“desenvolvimentistas” e progressistas do
empresariado. Observe-se de passagem que essa
perda da base social das elites dirigentes
neoliberais “associadas” é o que explica a nova
forma de intervenção na cena política de alguns
de seus representantes (ou, pelo menos, da área
mais conservadora desse campo político), com
insistentes denúncias de “corrupção” e um estilo
político protogolpista já qualificado alhures de
“neolacerdismo”. Também isso talvez explique
o fato de que algumas destas lideranças
declarem-se (ao menos publicamente e para fins
eleitorais) adeptas de um
“neodesenvolvimetismo” e de um “choque de
gestão” para tornar mais eficiente a máquina
governamental, e não de um pesado ajuste fiscal
com um novo ciclo de privatizações e/ou maior
abertura da economia ao capital estrangeiro,
visando a transferência acionária de empresas
nacionais (estatais e privadas) para setores
vinculados ao capital financeiro internacional,
medidas estas eventualmente capazes de
alavancar um novo período de crescimento
baseado na incorporação intensiva de capital e
de tecnologia estrangeiros.
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17
Não por acaso alguns analistas têm
observado que, a permanecer nesse estilo de
atuação, esta corrente política tende a
converter-se numa nova “UDN”, mas com
bases políticas mais sólidas, devido ao maior
percentual do eleitorado urbano de alta classe
média e às fortes bases políticas regionais de
alguns dos principais partidos políticos que lhe
dão sustentação, que integram os setores mais
atrasados e arcaicos (do ponto de vista
político) das oligarquias regionais
brasileiras24.
Alternativa 2: Por outro lado, tivemos a
opção da continuidade do chamado “socialliberalismo”
mezzo-populista de Lula, também
sustentado por várias forças sociais, mas
distintas do bloco político anterior, dentre as
quais as principais são as seguintes: a) setores
empresariais minoritários e mais nacionalistas,
qualificados tradicionalmente pela literatura
como “burguesia interna” ou “burguesia
nacional-dependente” (BRESSER PEREIRA,
2005); b) setores das classes trabalhadoras
organizadas orientados pela ideologia tradeunionista
e alinhados com o governo Lula, e
movimentos sociais que foram “cooptados”
pelo aparelho de Estado ou alimentam a
expectativa de uma “guinada à esquerda” do
governo Lula num eventual segundo mandato;
c) a imensa massa de trabalhadores pobres,
sub-remunerados e (ainda) desorganizados,
beneficiados pelo Bolsa Família e pelas
políticas sociais do governo. E aqui,
justamente, reside a faceta populista da
candidatura Lula e de seu estilo de liderança,
na medida em que ele não consegue transferir
para o PT os votos e a simpatia política
obtidos nessa parcela mais atrasada do
eleitorado, ainda sob a influência de uma
lógica de cunho mais clientelista, personalista
e despolitizada (MARQUES, 2006)25; d)
segmentos das oligarquias tradicionais de
24 Referimo-nos aos ACM, Jereissati, Maciel, Bornhausen e tutti
quanti.
25 Talvez seja desnecessário acrescentar que o recurso e o
estímulo a esse sistema personalizado e individualizado de
identidade simbólica entre líder e eleitor pelo próprio staff
petista, além dos desajustes gerados no próprio esforço de longo
prazo de construção e consolidação partidárias, pode causar
problemas para uma eventual continuidade do projeto petista no
poder no processo sucessório em 2010.
estados economicamente mais atrasados e,
portanto, mais suscetíveis aos impactos das
políticas de transferência de renda e de
investimentos regionais implementadas pelo
governo Lula; e) e, por fim mas não menos
importante, amplos setores das classes médias
democráticas e progressistas alocados no
interior do aparelho de Estado e/ou que se
beneficiam de transferências concentradas de
recursos do poder central.
Alternativa 3: Por fim, podemos
mencionar o “proto-populismo socialdemocrata”
da ex-senadora Heloísa Helena, que
ocupou aquele espaço político-ideológico
deixado vazio pela guinada ao centro do
governo Lula, sustentado por forças sociais
menos numerosas e influentes que os dois
blocos anteriores, mas nem por isso
inteiramente irrelevantes: a) segmentos da
classe média democrática e “radicalizada”
desencantados com o governo Lula; b) setores
mais politizados e organizados do movimento
popular, e um apoio difuso generalizado em
várias camadas da população desorientadas
politicamente com as denúncias de corrupção
contra o governo Lula.
Apesar do caráter “proto-populista” e
moralista “pequeno-burguês” da candidatura
Heloísa Helena e da coligação PSOL-PSTUPCB,
revelada em suas aparições eleitorais26, a
maior novidade do último processo eleitoral, a
nosso ver, foi a de que a crise do PT abriu a
perspectiva de um novo ciclo de organização
partidária nas esquerdas que consideramos ser o
ingrediente mais interessante da presente
conjuntura, e que nos permite fazer uma leitura
de certa forma “otimista” do atual momento
histórico. E aqui chegamos ao último ponto da
presente exposição que são os cenários mais
prováveis e, também, as prescrições políticas
que deles derivam.
26 Escrito em meados de agosto de 2006. As aparições
subseqüentes da candidata na TV e no horário eleitoral, com uma
campanha excessivamente personalista, com propostas políticas
não muito articuladas e focadas predominantemente na
personalidade da candidata, em detrimento dos programas do
partidos que compunham a coalizão, confirmaram alguns dos
prognósticos acima.
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V) Cenários prováveis e possíveis
desdobramentos.
Pois bem. Tendo em vista as três
alternativas abertas acima para o eleitorado
brasileiro nas últimas eleições, podemos
colocar as perguntas fatídicas que, como
analistas de conjuntura, não podemos nos
furtar a, pelo menos, formular de maneira
explícita: E daí? O que fazer?
Como dito acima, de nossa perspectiva
o aspecto mais interessante do atual cenário é
a abertura da possibilidade de um novo ciclo
organizativo na esquerda brasileira, que
redunde na criação de novas legendas
partidárias que mantenham acesas a “utopia”
da implantação de um Estado de Bem-Estar
em países da periferia do capitalismo, projeto
que parece ter sido definitivamente sepultado
pelos petistas, mesmo como horizonte de
longo prazo27. A partir desta constatação,
podemos traçar alguns cenários possíveis de
serem concretizados como conseqüência dos
eventos ocorridos no último pleito eleitoral:
Cenário 1: Volta da grande burguesia
“associada” ao poder, ocasionada pela
(pouco provável) vitória eleitoral de um
candidato da coligação PSDB-PFL bem como
das forças sociais que lhe dão apoio. Podemos
considerar este um cenário pouco provável no
curto prazo devido à força de penetração do
Bolsa Família e do impacto que esta
penetração gerou nas estratégias eleitorais do
neoliberalismo “associado”, desgastando a
antiga estratégia de jogar os pobres contra os
remediados para dar um certo tom igualitário
às chamadas “reformas pró-mercado”. Como
foi dito acima, devido à perda da base de
massas entre os setores mais pobres da
população, o campo político conservador
focou seu discurso eleitoral no combate à
“corrupção” e em um pouco convincente (a
lembrança dos anos FHC ainda está viva no
eleitorado e em importantes setores
empresariais) ensaio de retomada da
27 A expectativa é a de que os próximos Congressos do partido
definam-se com mais clareza a respeito de todos estes pontos
programáticos.
plataforma “desenvolvimentista”, inclusive com
tinturas nacionalistas (corrente
Bresser/Nakano)28. Entretanto, deve ser
considerado aqui como fator capaz de reverter
essa tendência o amplo apoio dado ao campo
neoliberal pela grande mídia conservadora e por
alguns dos setores mais poderosos do
empresariado brasileiro, sempre dispostos a
alocar recursos para tentativas de
desestabilização de governos de partidos de
esquerda.29
Cenário 2: A organização de um novo
(embora pequeno) partido de esquerda de
massas. Outro cenário possível resultante das
eleições de outubro de 2006 é a organização de
um novo partido social-democrata de esquerda,
que ocupe o espaço político deixado vazio pela
guinada ao centro do governo Lula, e
arregimente organizacionalmente setores
desencantados da classe média democrática e do
campo político democrático e popular de uma
maneira geral. Entretanto, tal possibilidade se
depara com vários obstáculos, dos quais
devemos destacar os seguintes: (i) o “protopopulismo”
da própria candidata Heloísa
Helena, que “personalizou” a campanha
eleitoral e adotou um estilo de liderança que não
28 Diga-se de passagem que, no segundo turno das eleições, os
eleitores agiram racionalmente ao tratar tais propostas como
“promessas pouco críveis”, credibilidade esta que só diminuía a
cada “pronunciamento” de economistas peessedebistas mais
ortodoxos, ao que parece ainda hegemônicos no interior do
partido(Nota de outubro de 2006). Por outro lado, a consagradora
vitória eleitoral do candidato Lula no segundo turno das eleições
parece ter provocado uma reavaliação estratégica e um
reposicionamento nesse campo político, com o enfraquecimento
de seus setores mais conservadores, e o fortalecimento dos
segmentos que preconizam a adoção de uma estratégia de “longo
prazo” para as eleições em 2010, através do patrocínio de uma
candidatura de perfil mais “desenvolvimentista”. (Nota de
dezembro de 2006).
29 O caso da Venezuela pode ser tomado como uma advertência
de que tentativas de golpe de Estado patrocinadas por setores do
grande empresariado, associados ao imperialismo norte-americano,
ainda são uma possibilidade bastante palpável nas democracias
latino-americanas que, diga-se de passagem, só estão
“consolidadas” para os espíritos de um otimismo quase
panglossiano. Afinal, o teste definitivo para a “consolidação” das
democracias capitalistas não é a mera subida ao poder de partidos
de esquerda e a consagração do “princípio da alternância”, mas sim
o término de gestões de esquerda que implementem políticas
efetivamente redistributivas, contra as resistências inclusive de
poderosos segmentos da classe dominante e da burocracia de
Estado. Desde Lipset pelo menos sabemos que muito dificilmente
há estabilidade e consolidação democráticas com a manutenção de
desumanos níveis de desigualdade social tais como os atualmente
vigentes nos países da América Latina.
GAC - GRUPO DE ANÁLISE DE CONJUNTURA - CONFERÊNCIA INAUGURAL
19
contribui para esclarecer aos “eleitores” que a
principal “tarefa” da esquerda no momento é
organizar um partido com representação
parlamentar que, ao manter acesa a “utopia”
de instauração de um WS no Brasil, possa
fazer uma crítica de esquerda consistente ao
PT (muito diferente do chamado “apoio
crítico” de agremiações atreladas ao governo
Lula) e dinamizar a politização ou a chamada
“consciência cívica” das classes trabalhadores;
(ii) muitos setores que poderiam se constituir
em base social para o PSOL se encontram
devidamente “enquadrados” dentro no PT, em
grande parte na expectativa de que o governo
Lula dê uma “guinada à esquerda” em seu
segundo mandato.
Essa possibilidade de instauração de
um pluralismo político partidário da esquerda
reformista no Brasil atual, a meu ver, é o
ingrediente mais interessante da presente
conjuntura30.
Cenário 3: Perspectivas do segundo
mandato Lula. Indo direto ao ponto: poderá o
governo Lula dar uma eventual “guinada à
esquerda” em seu segundo mandato? Deve-se
observar inicialmente que a organização do
PSOL e de uma “oposição de esquerda”
minimamente articulada, mesmo com todas as
deficiências ideológicas e organizativas que
poderiam ser apontadas sem dificuldades nesta
agremiação, age como um elemento de
pressão nesse sentido, na medida em que a
mera existência e presença na cena política de
mais uma organização independente de
esquerda, embora frágil, competindo com o PT
em nome de suas bandeiras programáticas
“originárias” de instauração de um Estado de
Bem-Estar, pode agir como fator de
“dissuasão” para políticas mais conservadoras
e de pressão para políticas econômicas e
sociais mais “à esquerda” (i. e., que
30 Isso porque, de nosso ponto de vista, ainda não estão
presentes, no atual estágio de desenvolvimento político
capitalista da sociedade brasileira, as condições necessárias para a
organização de Partidos Comunistas Democráticos de massa,
que coloquem como meta de curto e médio prazos a
implantação de um verdadeiro sistema social socialista, que não
deve ser confundido, diga-se de passagem, com alguma das
múltiplas variantes do capitalismo de Estado travestidas de
“socialismo real” que foram implantadas em determinados
países da periferia do Capitalismo ao longo do século XX.
aprofundem a democracia e aumentem a
universalização dos direitos e a qualidade de
vida das classes trabalhadoras). Além disso, o
surgimento de pelo menos duas candidaturas
competitivas do campo político conservador à
sucessão de Lula que preconizam de maneira
mais explícita estratégias
“desenvolvimentistas”, age como fator de
pressão nesse sentido.
Entretanto, a natureza dos compromissos
assumidos durante a campanha eleitoral e a
configuração futura do novo quadro partidário,
fazem com que isso seja pouco provável. O
mais provável é que o PT forme uma coalizão
de “centro-esquerda” com o PMDB (este
fortalecido na próxima legislatura) e outros
partidos de centro, e continue a implantação de
sua plataforma “social-liberal”, com reforma
trabalhista, da previdência, ajuste fiscal (com
manutenção das metas de superávit primário e
de inflação), mas sem grandes cortes no gasto
público da magnitude da proposta pela
“burguesia associada” e de seus dirigentes
políticos. O que abre espaço ¾ caso essa
hipótese se concretize, ou seja, de
aprofundamento da implantação de um
programa “desenvolvimentista social-liberal”
moderadamente redistributivo e mais sensível
aos comandos do capital bancário brasileiro no
segundo mandato Lula, que entre em confronto
com interesses corporativos de setores
organizados das classes trabalhadoras ¾ para
novas cisões no PT e para a incorporação destes
segmentos no PSOL (na hipótese desse partido
apresentar uma proposta programática
alternativa e consistente em seus próximos
congressos, e não servir apenas de suporte
eleitoral para candidaturas personalistas),
processo este que pode gerar “feedbacks” na
própria dinâmica interna do governo petista e do
próprio partido.
Tudo dependerá do perfil do novo
governo Lula e aos comandos de quais forças
sociais obedecerá a agenda a ser apresentada e
implementada por tal governo. Assim, devemos
aguardar o anúncio da nova equipe
governamental e das primeiras medidas de
política econômica e social do segundo
mandato, para pronunciamentos mais
GAC - GRUPO DE ANÁLISE DE CONJUNTURA - CONFERÊNCIA INAUGURAL
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fundamentados sobre as diretrizes deste
governo, bem como para uma avaliação dos
impactos de tais diretrizes no sistema de
posições relativas que hierarquiza os vários
estratos sociais da sociedade brasileira.
Uma inferência geral que talvez se
possa fazer da análise acima é a de que os
partidos de esquerda não podem se converter
em meras “correias de transmissão” dos
governos, pois isso tem impactos bastante
negativos sobre a organização popular e a
militância política (OLIVEIRA, 2006). A
evidência mais palpável desses impactos
talvez tenha sido o baixo grau de
envolvimento e reduzida motivação da
militância de esquerda (ou do que restou dela),
inclusive do próprio PT, nas últimas eleições
(especialmente no primeiro turno), com
poucos adesivos no carro e fraca campanha
eleitoral “militante” e boca-a-boca, fato que
não deve ser imputado apenas à restritiva e
casuística “Lei Bornhausen” que regulou o
pleito eleitoral.
Há duas formas de equacionar esses
problemas, ou seja, da despolitização das
classes trabalhadoras, do eleitorado, da
militância e dos simpatizantes de uma maneira
geral pelo fato dos partidos de esquerda, em
nome da “governabilidade” e da “estabilidade”
do sistema político democrático, se
converterem em porta-vozes de políticas
governamentais conservadoras implementadas
por um Estado capitalista, e serem envolvidos
pelas dimensões mais obscuras do
funcionamento de uma democracia
parlamentar capitalista: (i) dinamizar a luta
interna dos partidos, evitando que os setores
da agremiação que estão no governo
controlem rigidamente ou tenham a
hegemonia estrita da organização,
obstaculizando a estratégia de longo prazo de
fortalecimento partidário, coisa que ocorreu
em raras ocasiões do governo petista, pois o
partido tendeu a se converter num porta-voz
do governo, exceto no tocante à reivindicação
de cargos nos escalões superiores da
administração; (ii) engajar-se num processo de
organização partidária alternativa que
possibilite que setores não-governamentais da
esquerda capitalizem o descontentamento
popular contra os próprios governos de
esquerda.
O exemplo recente da vitória eleitoral do
Partido da Refundação Comunista na Itália,
assim como de outras tentativas de organização
partidária nos países capitalistas centrais, pode
ser um indicador de que essa última alternativa
¾ ou seja, a possibilidade de um novo ciclo
organizativo de esquerda nas sociedades “pósqueda
do muro de Berlim” ¾ não seja tão
inviável e “utópica” como pretendam as visões
mais pessimistas sobre o futuro da organização
de partidos de esquerda de massas no atual
estágio do desenvolvimento político capitalista.
Não pode ser também inteiramente descartada a
hipótese de que, nas próximas décadas, tal ciclo
organizativo se articule a processos bemsucedidos
de implementação de modelos
“nacional-democráticos” de desenvolvimento
capitalista em países da periferia do
Capitalismo, de preferência que redundem na
implantação de “welfares states” sob a
hegemonia de partidos de esquerda nessas
formações sociais. A ver.
Apêndice: nota sobre o segundo turno
[opcional; pode ser suprimido]
A respeito do segundo turno das
eleições, gostaríamos apenas de destacar os
seguintes aspectos:
1) Os resultados do primeiro turno das
eleições presidenciais evidenciaram que as
novas correntes de esquerda em estágio inicial
de organização ainda têm muito a aprender
sobre o uso estratégico das decisões de voto em
eleições majoritárias de dois turnos nas
democracias capitalistas dita "representativas".
A literatura especializada tem chamado a
atenção para o fato de que, falando de uma
maneira geral, os sistemas majoritários (de um
ou dois turnos) são bastante desfavoráveis para
a organização de partidos de esquerda “radicais”
(social-democratas de esquerda; socialistas;
comunistas). Autores "liberais", tais como M.
Duverger e Giovanni Sartori, consideram
que tais modalidades de organização das
GAC - GRUPO DE ANÁLISE DE CONJUNTURA - CONFERÊNCIA INAUGURAL
21
eleições são as mais desfavoráveis à esquerda,
devido às concessões programáticas
envolvidas nas negociações para a viabilização
eleitoral dos partidos de esquerda num pleito
majoritário de dois turnos, o que implica a
descaracterização programática de tais
partidos e sua assimilação enquanto “partidos
da ordem”. Daí que defendam esse sistema
eleitoral como forma mais eficaz de inibir a
organização de "partidos anti-sistema".
Apesar dos resultados eleitorais
indicarem uma derrota dos setores mais
combativos da esquerda nas recentes eleições
parlamentares, não somos tão pessimistas.
Estudos recentes (MELO, 2005) demonstram
que, falando de uma maneira geral, os
partidos que lançam sistematicamente
candidatos em eleições majoritárias para a
chefia do Executivo tendem a crescer mais
rápido, e a obterem maiores ganhos políticos
do processo eleitoral (devido à chamada
"conexão com o Executivo"). Embora não
tenha sido exatamente o que ocorreu nas
últimas eleições (devido aos excelentes
resultados eleitorais do PMDB para a Câmara
dos Deputados que, como se sabe, não lançou
candidato presidencial), isso não desmente
necessariamente a regra geral. É importante
frisar que o sistema eleitoral brasileiro
apresenta características diferentes de sistemas
de dois turnos como o francês, extremamente
prejudicial aos partidos mais à esquerda, pois
aqui, no Brasil, temos eleições majoritárias de
dois turnos para a chefia do Executivo
coexistindo com eleições proporcionais para o
parlamento. Isso faz com que os partidos de
esquerda possam lançar candidatos
majoritários "puxadores" de voto para
fortalecer os partidos em seus estágios iniciais
de organização. O próprio PT dirceuzista
utilizou muito bem tal estratégia, pelo menos
até uma determinada etapa de seu
desenvolvimento (Cf. SAMUELS, 2004).
Entretanto, tal estratégia não funciona
muito bem ou tem pouca eficácia em algumas
circunstâncias, tais como: (i) quando
os partidos não possuem fortes candidatos
"puxadores de voto" às eleições majoritárias e
conhecidos em toda a circunscrição eleitoral,
daí que alguns deles optem sistematicamente
por realizar coligações com outros partidos
como estratégia para fortelecer a representação
parlamentar de suas agremiações (na esquerda
brasileira o caso clássico é o do PCdoB, por
exemplo); (ii) os candidatos a cargo majoritário
realizam campanhas eleitorais à moda protopopulista
ou ao estilo do "bonapartismo soft"
(para usar a expressão empregada pelo filósofo
italiano Domenico Losurdo, 2005),
personalizando o pleito eleitoral (estratégia
empregada sistematicamente pelo PDT de
Brizola, por exemplo), em detrimento da
necessidade de uma "luta prolongada" para o
fortalecimento do partido e de obtenção de uma
poderosa e influente bancada parlamentar, além
de maior institucionalização das instâncias
deliberativas intermediárias dos partidos
(Congressos, encontros etc.).
Desta perspectiva, a candidata HH,
apesar da significativa votação obtida, a nosso
ver perdeu uma boa oportunidade de levar
adiante uma estratégia diversa das anteriores no
último pleito eleitoral, ao optar por propagar
uma espécie de "populismo social-democrata"
em sua campanha eleitoral, de tinturas
moralistas despolitizantes ("nenhum
compromisso”; uso da camisa branca para
simbolizar a "pureza" etc.), que a levou
inclusive a capitalizar votos do eleitorado mais
conservador e sem identidade política
substantiva com as propostas do PSOL.
2) Assim, no segundo turno das eleições,
são as duas outras alternativas enumeradas
acima que estiveram em disputa pelo poder
governamental e pela gestão do poder de Estado
nos próximos quatro anos. O surgimento desse
novo quadro no segundo turno gerou, como
poderia se esperar, um amplo debate no campo
político de esquerda. Dessa perspectiva,
ventilaram-se as seguintes opções para o atual
momento político.31
a) Em primeiro lugar, a defesa do voto
incondicional em Lula com todas as suas
implicações: assinaturas de “manifestos”,
31 Estas informações foram extraídas do informativo site da Ação
Popular Socialista: http://www.acaopopularsocialista.org.br/
GAC - GRUPO DE ANÁLISE DE CONJUNTURA - CONFERÊNCIA INAUGURAL
22
atribuir a Lula o status de "única alternativa
possível" de esquerda etc. Tal posicionamento,
expresso por movimentos sociais como o
MST, lideranças tais com Stédile, partidos
como o PCdoB e por alguns segmentos da
esquerda que votaram em HH no primeiro
turno, implica numa aceitação algo acrítica do
"lulismo", ou seja, do mezzo-populismo
social-liberal.
b) Em segundo lugar, foi manifestada a
proposta de "lavar as mãos" e de omitir-se
quanto a qualquer declaração formal de voto.
Trata-se da posição de Luciana Genro, da
direção do PSOL e da própria HH. Também
pouco contribui para a politização da esquerda
e para o acúmulo de forças das "alternativas"
(partidárias) de esquerda, pois optaram por
permanecer inermes em relação ao processo e
tendem a ser instrumentalizados pela direita.
c) Voto Condicional. Postura do PCB e
esquerda do PDT, ao menos num primeiro
momento. Esses setores parecem alimentar a
expectativa de que o governo Lula possa, de
maneira espontânea, atender a algumas das
reivindicações do campo democrático-popular
e dar uma “guinada à esquerda” no segundo
mandato, de certa forma legitimando a idéia de
setores que optaram por ocupar cargos
governamentais, segundo os quais o governo
Lula seria um "governo em disputa", e de que
possa mudar de rumo e atender a certas
reivindicações substanciais dos trabalhadores
sem pressão externa.
d) Voto Nulo. PSTU. Duarte Pereira.
A premissa (equivocada) comum a estas
posições parece ser a de que as candidaturas
Alckmin e Lula representaram forças
basicamente idênticas, sem diferenças
substanciais entre si.
e) Voto Crítico. Consideram que,
mesmo que o perfil do governo Lula se
mantenha semelhante ao primeiro mandato,
trata-se de uma alternativa mais progressista
do que o retorno do campo político
conservador ao comando do aparelho de
Estado. Tal perspectiva impôs "condições" ao
governo Lula, mas sem esperanças de serem
de fato atendidas, apenas para marcar posição
e pressionar manifestações públicas das
lideranças petistas, sobre temas de sua agenda
política. Preconiza também que, qualquer que
seja o perfil do segundo governo Lula, deve-se
permanecer no projeto de criar e/ou fortalecer
organizações e partidos de esquerda, mais
próximos aos movimentos sociais, sem colocar
como meta primária de curto prazo a ocupação
de cargos governamentais ou a vitória a
qualquer preço em eleições majoritárias
despolitizadas e organizadas em fracas bases
partidárias.
Em suma: de todas as opções
enumeradas acima, é provável que esta última
seja a opção logicamente mais consistente e que
possibilitasse maiores ganhos políticos, do
ponto de vista do campo político de esquerda
como um todo (fora e dentro do governo), por
motivos que talvez possam ser deduzidos pelo
leitor atento das considerações feitas neste texto.
Referências bibliográficas:
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teórico; dificuldades e recursos. Lisboa:
Presença.
ALVES, J. E. D.; FAVERSANI, F. (2002).
Análises de conjuntura: globalização e o
segundo governo FHC. Ouro Preto:
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