7. A ATUAÇÃO NA TUTELA
COLETIVA
A área da tutela coletiva, pelos temas que
abrange, é a que exige uma postura mais próativa
dos procuradores. Em várias questões, a
iniciativa de ação será do Ministério Público, e,
para subsidiar o trabalho, será preciso ir atrás
de todas as informações possíveis. Isso implica
em o procurador estar atento aos assuntos
do cotidiano, para ser capaz de perceber as
inúmeras situações em que se faz necessária
a sua atuação. É a área em que o sentido da
expressão “pública” – administração pública,
verbas públicas, serviço público - alcança seu
maior signifi cado.
Na “tutela coletiva”, o MPF age para
proteger (tutelar) os interesses e direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos.
A atuação do Ministério Público na proteção
a esses direitos tem relação direta com a noção
de coletividade; com a idéia de que o direito a
ser tutelado diz respeito a um número considerável
de pessoas.
Nota: o que não é possível é a atuação do MP em defesa
de direito que só benefi cie um único indivíduo ou um
grupo reduzido deles (por exemplo, uma ação para que
seja revisto o benefício previdenciário de um segurado
em função de seu caso específi co, sem potencial para
repercutir em outros casos).
A AÇÃO CIVIL PÚBLICA
O instrumento mais comum de atuação
nessa área é a Ação Civil Pública, considerada
também o mecanismo mais efi caz de
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proteção aos direitos da coletividade. O Ministério
Público é hoje o autor da maioria das
ações civis públicas de grande repercussão
que tramitam no Judiciário, para a defesa de
direitos de toda ordem, mas principalmente
dos que dizem respeito àqueles interesses
irrenunciáveis – saúde, educação, dignidade
da pessoa humana - e de ampla repercussão
no meio social – consumidor, meio ambiente,
defesa do patrimônio público.
Antes de chegar ao Judiciário, no
entanto, o Ministério Público percorre um
longo caminho, que começa com a abertura,
nas procuradorias, de um Procedimento
Administrativo Cível-PAC ou de um Inquérito
Civil Público-ICP. Aberto o PAC ou o ICP, o
procurador irá tomar todas as providências
necessárias à obtenção de informações que
permitam a ele concluir pela existência ou não
de irregularidades. Exemplo:
Um consumidor representa ao MPF contra
uma empresa de telefonia. O procurador
responsável pela defesa do consumidor, a
partir daquela representação, instaura um
PAC, fazendo preliminarmente uma análise
do caso para ver se a demanda diz respeito
a fatos que atingem uma coletividade ou se
diz respeito apenas àquele cidadão específi co,
e, ainda, se a questão insere-se no âmbito de
suas atribuições. Nesse caso, como se trata
de serviço de telefonia, que é uma concessão
do governo federal, sujeito à fi scalização da
Anatel, está presente o interesse da União; a
competência será da Justiça Federal, na esfera
de atribuições do MP Federal. Quanto ao
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direito, se o procurador entender que se trata
de interesse apenas privado, a representação
é arquivada e o representante é informado
desse arquivamento, com a orientação para
que ele procure os órgãos responsáveis pela
defesa de direitos individuais. Caso o assunto
seja de interesse coletivo, o procurador
determina a expedição de ofícios para a
empresa denunciada pedindo explicações;
ofi cia também aos órgãos governamentais
responsáveis pela fi scalização do serviço de
telefonia. Em resumo, ouve todos os que
tiverem ligação com aquele direito, para
verifi car se a Constituição e as leis estão sendo
cumpridas.
Outro exemplo:
Os jornais noticiam que determinado povo
indígena está passando por sérios problemas
de alcoolismo e violência. O procurador
expede portaria para instauração de um
Inquérito Civil Público e, a partir daí, expede
ofícios para a Funai, Funasa, Polícia Federal,
Polícia Civil, Ministério Público Estadual,
e quaisquer outros órgãos que possam ter
informações sobre o caso.
Qual a diferença entre um PAC e um ICP?
A diferença entre eles está somente na maior
publicidade que se dá à abertura do ICP, que
é instaurado por meio de portaria publicada
no Diário Ofi cial. O PAC é aberto por mero
despacho à secretaria da respectiva unidade,
determinando a sua autuação. Nas causas de
maior interesse público ou repercussão social,
os procuradores têm optado pelo ICP, em
função exatamente da publicidade que se dá
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aos atos nele praticados.
Quando se trata de assunto que
exige análises técnicas de profi ssionais
especializados, o procurador pode
determinar a realização de perícias, estudos
antropológicos, cálculos de engenharia;
ou quando o problema exige visita ao local
para averiguar a procedência da reclamação
(como uma denúncia sobre construção
irregular em conjunto urbano tombado pelo
patrimônio histórico), ele pode ainda realizar
ou determinar vistorias de inspeção.
Munido de todos os dados e informações
sobre o fato que deu origem à investigação,
o procurador da República, com base na
legislação, verifi ca então se é o caso de
propositura de ação ou de arquivamento da
representação. Se decidir pela ação, o assunto
sai da esfera administrativa, interna da
procuradoria, e vai para o âmbito judicial, por
meio da propositura das ações civis públicas,
ações de improbidade ou ações coletivas,
conforme cada caso.
Normalmente, as ações propostas na
área da Tutela Coletiva pedem que o juiz
conceda uma liminar ou uma antecipação
de tutela. A intenção é a de se evitar que
os prazos longos com que trabalha a Justiça
acabem resultando na perda do direito ou
na total inefi cácia da decisão. Por exemplo,
uma ação que peça o embargo de obra
causadora de impactos ambientais. Se o juiz
não conceder a liminar, enquanto se espera
pela sentença, que somente é proferida após
o cumprimento de todos os atos processuais
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(citação, contestação, intimação, depoimentos
etc.), as obras continuarão a ser feitas. Quando
a sentença sair, os prejuízos serão defi nitivos
e, em alguns casos, irrecuperáveis.
Qual a diferença entre uma liminar e uma
tutela antecipada?
Em termos práticos, nenhuma. Liminar é uma
decisão provisória, dada antes do julgamento
final do processo, para evitar prejuízo irreparável
a um direito. Tutela antecipada, como
o próprio nome diz, é a antecipação de um ou
mais dos pedidos feitos pelo autor. Ambas as
decisões podem ser revogadas: a liminar, por
decisão do presidente da instância superior ao
juiz que a concedeu; e a tutela, pelo próprio
juiz concedente.
AS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Trata-se de ações ajuizadas contra
agentes públicos em decorrência da prática
de atos ilícitos, que, além de atentarem
contra os princípios da administração
pública, especialmente os da moralidade e
da legalidade, constituem violação também
a certas leis. Geralmente, as ações de
improbidade administrativa são propostas nos
casos em que o dinheiro público é desviado ou
é mal empregado. Há casos em que o agente
público, ao invés de embolsar a quantia,
simplesmente a aplica em destinação diferente
do que a lei previu, e isso, por si só, constitui
ato de improbidade (por exemplo, verbas do
Fundef aplicadas na recuperação de estradas
municipais).
As notícias de improbidade que
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chegam ao MP Federal vêm normalmente dos
órgãos de controle da administração, como as
auditorias dos Ministérios, a Controladoria-
Geral da União, o TCU. Mas há casos de relatos
feitos também por particulares - cidadãos que
têm conhecimento do fato e o denunciam ao
MP.
Nota: é importante esclarecer que as sanções aplicadas
por meio da ação de improbidade são apenas as sanções
civis e políticas: perda do cargo, perda dos direitos
políticos por um determinado período, proibição de
contratar com o Poder Público, obrigação de restituir a
quantia desviada com juros e correção monetária, entre
outras. As sanções penais, que derivam do cometimento
de crime - porque o desvio ou o mau emprego de
verbas públicas é um crime – devem ser impostas
por um juiz criminal em ação penal específi ca. Ou
seja, sempre que um procurador propõe uma ação de
improbidade administrativa, ele envia cópia dos autos
aos procuradores que atuam na área criminal, para que
estes, se entenderem que os fatos constituem crime, ofereçam
denúncia contra os envolvidos.
A ação de improbidade é proposta somente
contra agentes públicos?
Não. Ela pode ser proposta contra todos
que contratam com a Administração Pública,
pessoas físicas ou jurídicas, inclusive contra a
própria pessoa de direito público interno para
a qual a verba foi destinada (por exemplo, o
Município).
OS TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
É ainda na Tutela Coletiva que o MPF
tem à sua disposição um dos mais importantes
instrumentos de atuação: o Termo de
Ajustamento de Conduta-TAC. Por meio dos
TACs, as partes se comprometem, perante
os procuradores da República, a cumprirem
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determinadas condicionantes, de forma a
resolver o problema que estão causando ou
a compensar danos e prejuízos já causados. É
o que acontece, com freqüência, na área do
meio ambiente.
Os TACs antecipam a resolução dos
problemas de uma forma muito mais rápida e
efi caz do que se o caso fosse a juízo. Rápida,
porque uma ação judicial geralmente leva
anos até chegar à decisão judicial defi nitiva
em razão dos inúmeros recursos existentes; e
efi caz, porque os direitos protegidos na área
da Tutela Coletiva, pela sua própria natureza,
necessitam de soluções rápidas, sob pena de
o prejuízo tornar-se defi nitivo e irreparável.
É claro que, em alguns casos, se a parte
demandada não cumpre o combinado, o MPF
se verá obrigado a levar o caso à Justiça.
Os Termos de Ajustamento de Conduta
têm natureza de título executivo extrajudicial.
A sua diferença para os acordos judiciais
é que estes são fi rmados no curso de ação
judicial já proposta, e, por isso, devem ser
homologados pelo juiz federal que preside o
julgamento da causa. Mas, tanto o TAC quanto
o acordo judicial têm o mesmo objetivo:
abreviam o processo, com a assinatura de um
compromisso da parte ré, concordando com
o que é proposto pelo Ministério Público.
Se essa parte desrespeitar o acordo, não
cumprindo com as obrigações que assumiu,
o procurador da República pode entrar com
pedido de execução, para o juiz obrigá-la ao
cumprimento.
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AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS E AS RECOMENDAÇÕES
Outros instrumentos de atuação
extrajudicial do Ministério Público bastante
utilizados são as audiências públicas e as
recomendações. As primeiras destinamse
a colher subsídios para a instrução de
procedimentos ou de inquéritos civis públicos:
o procurador convoca uma audiência pública
para que todas as partes interessadas, bem
como representantes da sociedade civil,
exponham suas posições sobre o assunto
investigado. Ainda que não seja o fi m último
da audiência pública, há casos em que, ao
final do encontro, obtém-se uma solução
intermediada pelo Ministério Público.
O outro instrumento consiste em
recomendações enviadas a órgãos públicos
para que cumpram determinados dispositivos
constitucionais ou legais. Por exemplo, o
procurador-geral da República, em 2003,
expediu recomendação ao Governo Federal
para que o orçamento da União enviado
ao Congresso Nacional cumprisse a
determinação constitucional do percentual
mínimo que deveria ser destinado à Saúde. A
recomendação foi atendida; o governo refez o
planejamento anterior, obedecendo à lei.
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